sábado, 29 de março de 2008

"Quills"

escrevi, primeiro em folhas brancas, virgens; depois em pedaços de papel rasgado. na sua falta, recorri a meus lençóis, que serviram de abrigo para idéias torpes e de gosto duvidoso. meu corpo e a parede... objetos não menos ideais. ri-me da falta de escrúpulos e da frágil moral insustentável em cada palavra desenhada.

a tinta era tudo. era qualquer coisa que pudesse me valer. era vinho ou sangue ou merda! qualquer forma de exteriorizar meus demônios. ou de recriá-los maiores. de fantasiar minha grandeza megalomaníaca, a partir da loucura.

meus companheiros: pederastas, prostitutas, assassinos, libertinos... toda sorte de desajustados e marginais. verdadeiros inimigos da ordem e dos bons costumes, bem como debochadores da hipocrisia humana. criaram vida, ganharam voz e fizeram algarraza em mim e em todo canto.

precisei põ-los pra fora, por convicção de sua importância para o mundo ou por receio de sua prisão em mim.

dê-me pena e tinta, por favor!

sexta-feira, 28 de março de 2008

"Nenhum metal pode perfurar o coração com tanta força quanto um ponto final colocado no lugar certo"
Isaac Bábel

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O ponto (final) colocado no lugar (certo)!

quinta-feira, 20 de março de 2008

ainda sobre fome e felicidade abafada

A saudade que me deixou fraco,
A ausência que me fez mais louco
(Quis vender a mim pra te comprar),
Quis viver em ti e me deixar.
A esperança que me deixou morto,
Morto! Sem coração batendo, sem respirar.
A saciedade que se tornou vício,
Inescrupuloso, trafiquei teu olhos.
Débil! Sem logos nem lugar,
Injetei cada parte do teu corpo em cada parte do meu corpo
E a saudade passou
E eu passei...
E fiquei mais longe

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Procura, tira a poeira, relê, ri incrédulo e joga fora.

sábado, 15 de março de 2008

[...] Pessoalmente, acho que o movimento feminista deve almejar mais do que a eliminação da opressão das mulheres. Deve sonhar em eliminar as sexualidades obrigatórias e os papéis sexuais. O sonho que acho mais fascinante é o de uma sociedade andrógina e sem gênero (embora não sem sexo), na qual a anatomia sexual de uma pessoa seja irrelevante para o que ela é, para o que ela faz e para a definição de com quem ela faz amor."



(Rubin, Gayle. O Tráfico de Mulheres: Notas Sobre a "Economia Política do Sexo", pág. 57)


quinta-feira, 13 de março de 2008

- vamos brincar de forca?
-tá! eu pego a corda e amarro no teto, mas você vai primeiro. e não espume pela boca!

domingo, 9 de março de 2008

[...]


É preciso salvar o país,

é preciso crer em Deus,

é preciso pagar as dívidas,

é preciso comprar um rádio,

é preciso esquecer Fulana.


É preciso estudar volapuque

é preciso estar sempre bêbedo,

é preciso ler Baudelaire,

é preciso colher as flores

de que rezam velhos autores.


(Carlos Drummond de Andrade),


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sábado, 8 de março de 2008

A solução? Mas é claro que eu conheço!
A solução é tv a cabo (de preferência digital e de 42 polegadas).
A solução é carro novo. É condomínio fechado.
É uma mente fechada.
É internet banda larga pra conversar com o mundo inteiro, porque aqui é muito chato.
A solução é auto-estrada
Asfalto novo pro meu carro novo
Shopping e mercado
Vidro fechado e ar-condicionado
Aqui fora o ar é quente e fede
A solução é 44h semanais para o patrão
(Mais ida e volta e horas extras)
Com plano de saúde e previdência privada
É novela das oito, das nove, das dez...
E sexo antes de dormir
A solução é ficar quieto, bem quieto
Fingir de morto e esperar passar
Que passa, o dia passa e a gente passa


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Ninguém sabe como serão os filhos desse casamento: indústria de informação e indústria do entretenimento.
(EngHaw)

quinta-feira, 6 de março de 2008

Schlomo, o louco, sobre Deus

"Deus criou o homem à sua imagem. Isso é lindo, Schlomo à imagem de Deus! Mas quem escreveu isso no Torah? Foi o homem e não Deus. Escreveu sem modéstia, comparando-se a Deus. Talvez Deus tenha criado o homem. O homem... O homem, filho de Deus... criou Deus, só para poder se inventar.
[...]
"O homem escreveu a Bíblia para não ser esquecido, sem se importar como Deus. Não amamos e não oramos a Deus. Ou melhor, imploramos para que nos ajude aqui na Terra, mas não nos importamos com Ele. Só pensamos em nós mesmos. A questão não é saber se Deus existe, mas sim se nós existimos."

(Trem da Vida)
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Por que Deus criou o homem?
Por que o homem criou Deus?

segunda-feira, 3 de março de 2008

rabo correndo atrás do cachorro

esqueça a tua agenda

não quero ser encaixado entre um compromisso e outro

dispenso tua racionalidade exarcebada.

sabe, o importante não é o que é melhor fazer

mas sim o que precisa ser feito,

agora

e pra sempre (agora)

também rejeito qualquer tipo de argumento contra mim



o certo,

o combinado era o muito,

o sempre incontrolável.


e se me pensa com a mesma sensatez que dispensa às contas do mês,

se me administra e me controla olhando no relógio e no calendário

(entre tantos dias)

me perde no meio do "cálculo das probabilidades"

e eu fico cinza

e você me guarda na estante

ou me lança no sistema


não devia ser assim

era pra ser forte e em excesso

não querer, mas precisar,

implorar


(vontade que violenta o corpo e dilacera a alma)



ser teu delito

(e teu deleite)

e que injetasse cada pedaço do meu corpo em cada pedaço do teu corpo

o cachorro correndo atrás do próprio rabo

você quer eu decifre seus códigos? que te leia por entrelinhas?
não vou me satisfazer com aquilo que eu suponho talvez saber (ou achar)...
"o cálculo das probabilidades é uma pilhéria"! hipóteses são boas para teses científicas. e se você insistir em ser meu estudo estatístico eu te guardo numa estante e te esqueço.
não quero bons argumentos. quero a certeza das coisas neste momento. esfregada na minha cara! a certeza ingênua e petulante que mais confunde do que esclarece.
repita! uma, duas, três vezes...
não preciso saber, preciso sentir!

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Quero

Quero todos os dias do ano
Todos os dias da vida
De meia em meia hora
De 5 em cinco minutos
Me digas: Eu te amo.

Ouvido-te dizer: Eu te amo
Creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
E no seguinte
Como sabe-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
Que amas, que me amas, que ama
Do contrário evapora-se a amação
Pois ao dizer: eu te amo
Desmente
Apagas
Teu amor por mim

Exijo de ti o perene comunicado
Não exijo senão isto,
Isto sempre, isto cada vez mais
Quero ser amado por em tua palavra
Nem sei de outra maneira de saber-se amado:
Amor na raiz da palavra
E na sua emissão
Amor
Saltando da língua nacional,
Amor
Feito som
Vibração especial

No momento em que não me dizes: eu te amo
Inexoravelmente sei
Que deixaste de amar-me

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amaamoamoamoamoamoamoamo
Verdadeiramente fulminante que acabas de desentranhar
Eu me precipito no caos,
Essa coleção de objetos de não amor

(Andrade, Carlos Drumond )

domingo, 2 de março de 2008

Pequena canção de amor pra garota que eu nunca conheci

Das brigas que nunca tivemos
Dos dias que nunca nos vimos
Nas vezes que quase te largo
Na cama em que nunca nos rimos

A pele que eu mordo toda
E não pude ter por minha
Seria se fosse tão perto
Pr’além da vontade sozinha

E saiba pequena, canções de amor são pra ti
Quisera eu fosse amado
Pela garota que eu nunca conheci

Da falta que eu nunca te fiz
Das vezes em que eu te quis mais
Centrada em tanta lascívia
De nunca ser (e ser demais)

Nos teus orgasmos fingidos
Que fingem o que todos já sabem
Perdida em tanta potência
Em qualquer canto da cidade

Tudo o que poderia ter sido e não foi

E saiba pequena, canções de amor não são pra ti
Quisera eu fosse amado
Pela garota que eu nunca conheci