segunda-feira, 31 de maio de 2010

fragmento




- ocupado que estava a ler o jornal não pode perceber que o céu ainda era vermelho. vermelho do sol poente e do ar excessivamente poluído.

- à noite por certo choveria, mas ele saiu de casa sem o guarda-chuva.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Concreto

Serei muralha!

Impassível,
Resistirei aos seus ataques
com a placidez fria do cimento

Insondável,
Não me encontrará frestas,
Não exibirei rachaduras

Intransponível,
Desistirá de me escalar
Se espantará com minha altura,
Temerá meu arames farpados

Pois serei enorme
Rígido
Eterno
Concreto puro!

Natural,
Brotarei da terra
Minhas raízes de aço fincadas no chão.
Estrutura enigmática
(Não saberá nunca o que se passa)

À sua frivolidade de flor,
À pungência de suas pétalas,
Guardarei minha gravidade de pedra.

Replicarei o seu olhar
Em tons de cinza.
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[...]

"Se dê ao luxo do desperdício
de um grande amor
e economize seus sorrisos"
(http://cemmilhoras.blogspot.com/2010/03/blog-post.html)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

epílogo

"Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo."
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Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo...


[e que diabos esse tal de carlos pensa que sabe tudo sobre mim!?]

terça-feira, 25 de maio de 2010

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim aolhar para a vida, perdera o sentido da vida.


Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

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interessante como álvaro de campos se mostra aqui especialmente saudoso, sensibilizado por suas lembranças, lamentando que tenha perdido o que hoje não há (a casa vendida, os que se foram...) e não pode trazer consigo. e a consciência da perda, por si só, já é não poder alcançar...

datas como o meu aniversário me dão (ou já me deram) essa sensação de nostalgia. momento (quase involuntário) de avaliar o que passou e o que está. algumas vezes deixando, no fim das contas, um certo gosto amargo por algo que nem se sabe exatamente o que é (a vida inteira que poderia ter sido e não foi? quem explica?). talvez por isso tenha optado por deixar passar o mais imperceptível, o mais suave possível. esperar pouco, me manter centrado.
e ainda me divirto mais.

sábado, 22 de maio de 2010

SENECTUDE PRECOCE

Envelheci. A cal da sepultura

Caiu por sobre a minha mocidade...

E eu que julgava em minha idealidade

Ver inda toda a geração futura!


Eu que julgava! Pois não é verdade?!

Hoje estou velho. Olha essa neve pura!

- Foi saudade? Foi dor? - Foi tanta agrura

Que eu nem sei se foi dor ou foi saudade!


Sei que durante toda a travessia

Da minha infância trágica, vivia,

Assim como uma casa abandonada.


Vinte e quatro anos em vinte e quatro horas...

Sei que na infância nunca tive auroras,

E afora disto, eu já nem sei mais nada!


(Augusto dos Anjos)

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Caiu como uma luva, não exatamente pelo pessimismo ou pela sensação de estar precocemente velho (quer dizer, talvez por isso um pouco...), mas pelos vinte e quatro anos em vinte e quatro e a saudade (ou dor?) que ficou. É sempre aquela história "pô, o tempo passou rápido demais", fica até clichê. Mas será que teria outra frase que se encaixasse melhor?

domingo, 16 de maio de 2010

tarde de maio

"eu nada peço de ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que precisamente, volve o rosto, e passa...
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes morremos."

(Carlos Drummond de Andrade)
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sim! tantas que perdi a conta

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A saudade que me deixou fraco
A ausência que me fez mais louco
(Quis vender a mim pra te comprar)
Quis viver em ti e me deixar.
A esperança que me deixou morto
Morto! Sem coração batendo, sem respirar
A saciedade que se tornou vício
Inescrupuloso, trafiquei seus olhos
Débil! Sem logos nem lugar,
Injetei cada parte do seu corpo em cada parte do meu corpo
E a saudade passou
E eu passei...
E fiquei mais longe
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De quando que é? Sinceramente não me lembro. Mas que importa? Estou sempre sentindo saudades... (e "daqui a vinte anos farei teu poema")

domingo, 9 de maio de 2010

intempestivo


Sabe, a gente não precisa passar incólume por tudo. Querer chegar ao final inteiro, completo... Há que se saber perder partes de nós mesmos. Partes que só estariam lá para confundir, atrapalhar. Estorvo! Já que os anéis se foram levem os dedos também, são dispensáveis. Por que não arrancá-los, nós mesmos, de uma vez? Membros necrosados, putrefatos... Não há que sentir a perda do que não vale mais a pena manter consigo. Fiz o melhor que pude, mas meus braços não são mais meus. Não há por que fingir que são. Dispenso a sensação de perda. Prefiro acreditar que eu os arranquei (por que sabia que assim seria melhor). Melhor ainda se depois de tudo ficar a sensação de "porra, deveria ter feito isso mais cedo!"
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"One more drink and I'll be fine
One more girl to take you off my mind "

(The Magic Numbers)

"Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos."

(Carlos Drummond de Andrade)

sábado, 8 de maio de 2010

The Ballad of

Jesus was born in 1979
The kind of guy has something nice
He found out he'd like to kiss some girls
That's when Devil enter in his world
Devil was 29 years old
When she found this pretty boy
Things went colloured inside her world
'cos Jesus was all she was looking for
Jesus promised to go to Devils's place
He never thought he was going out of his way
24 years old, pretty young faced though
He was really near to finally fall in love
She set the table up waiting for him
She's never thought good on bad was a sin
She'd promise him a weding ring
But suddenly the phone has started to sing
"hello there, this is from the Police
I'm sorry but we have some bad news"
That's when Devil started to cry
From that moment on she hoped she dies
Jesus got lost on his way to Devil's home
He was trying to find out what was going wrong
His car went out of control
He crashed agaist a wall
He was really near to finally fall in love

(forgotten boys)


The Ballad Of

Jesus nasceu em 1979
O tipo de cara que tinha algo de legal
Ele descobriu que gostaria de beijar algumas garotas
Foi então que Devil entrou em seu mundo
Devil tinha 29 anos
Quando encontrou esse belo rapaz
As coisas foram se colorindo em seu mundo
Porque Jesus era tudo o que ela procurava
Jesus prometeu ir à casa de Devil
Ele nunca pensou que estava saindo de seu caminho
24 anos, apesar do rosto mais jovem
Ele estava realmente perto de finalmente se apaixonar
Ela arrumou a mesa esperando por ele
Ela nunca pensou que o bem com o mal era pecado
Ela prometeu à ele um anel de noivado
Mas de repente o telefone começou a tocar
"Alô, aqui é da Polícia
Sinto muito, mas nós temos más noticías"
Foi quando Devil começou a chorar
A partir daquele momento ela desejou morrer
Jesus se perdeu no caminho para a casa de Devil
Ele estava tentando descobrir o que havia de errado
Seu carro saiu de controle
Ele bateu contra o muro
Ele estava realmente perto de finalmente se apaixonar

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um casal assim? por que não?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

I.
não caibo em mim
por toda minha superfície transbordo
onde estão as minhas mãos agora?
(afogando-me, nem posso dar adeus)
não alcanço as extremidades dos meus braços
no escuro procuro meus olhos, mas
são outros os olhos que encontro

o que acho que digo só penso
se perde na língua dormente,
nos dentes cravados, lascivos
e quando penso calado, confesso,
inundo suas quatro paredes
invado seus tantos ouvidos
dissolvo fronteiras,
em busca de abrigo

impregno de tempo sua pele...

II.
verborragicamente
me espalho
ocupo seu chão, seu colchão,
seu teto e seu entorno
sou todo sensações,
todas as sensações!

vazio que estou
flutuo.
não sinto sono
nem sede
(e nem frio)
por que haveria de sentir?
nem ao menos dou por mim
só há esse topor que não me deixa ser menos explícito,
que me impede de estar em silêncio
que me derrete e me anestesia
(e derretemos nós e escorremos pelas beiradas)

não sei mais onde acabo
enfim, transbordo.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

ainda sobre a urgência

Talvez e só talvez (aliás tenhamos essa palavra sempre à mão, para que possamos afrouxar as ideias e arriscar mais) tenha me passado pela cabeça o desejo (ou a curiosidade) de que cada palavra fosse a palavra mais exata, que só viesse à tona por absoluta necessidade, pela falta que ela faz no mundo e que em cada uma delas transparecêssemos sem rodeios.

Simples: Nada de dizer e desdizer. Ou dizer sem ter certeza, esperando a possibilidade de voltar atrás depois. Que cada palavra dita (e por sua vez ouvida) cobre o seu preço, que se faça sentir na pele. Que fique marcada em nós sua pulsão de objeto vivo e forte... Nunca haveríamos de sentir tanto o que dizemos e se ainda assim disséssemos seria por pura falta de opção. Falamos sempre tanto, nos perdemos entre milhares de palavras frívolas, rasas. Quase objetos de decoração... Se fosse dizer que ama, deveria amar a ponto de estar disposto a sentir essas palavras doerem e ainda assim seria menos dor do que calá-las. A mesma coisa ao dizer que odeia. Ou que mata. Se diz que é assim, que seja mesmo. E de uma maneira tão visceral e profunda que não reste nada mais, a não ser aquelas palavras e o que elas trazem consigo de urgente.

Cada palavra com a força de uma vida. Aí sim haveria poesia.