terça-feira, 23 de julho de 2013

exercício de fraternidade nº 1

há dias para se lamentar
os dias
que nunca serão
o que deseja o pueril coração.
dias em que
tudo nos falta
mesmo sem nada faltar...

mas hoje não...
hoje é o dia dos risos
que ecoam pela rua
e a deixa mais familiar.
seu farto riso corporal
enquanto caminhamos
confiantes por estarmos juntos

e em ti me amparo
enquanto ombro a ombro
desbravamos a terra
inóspita dos homens,
e indolentes dançamos
ouvindo canções
de despedida e reencontro

com passos cautelosos
vencemos a cidade crua,
entregamos a nossa parte mais nobre
o fio de alegria que resta
que nasce num e transborda noutro
fluxo contínuo
que te torna parte de mim.

ideias tolas confortam,
mãos em conversas fraternas,
sei, pertencemos ao mesmo mundo
e com coragem desentranho
minha força da sua
encho nossos copos de orgulho
mas você distraída beberica à vida

segunda-feira, 22 de julho de 2013

algumas linhas sobre "levada da breca"



tinha quase nenhuma referência para assistir à "levada da breca" ("bringing up baby", no original), de 1939, além de saber que seu diretor, howard hawks, é um nome importante da fase clássica de hollywood. continuo sem ter muitas informações, mas pelo menos agora sei que é dele um dos filmes mais divertidos que pude ter a oportunidade de assistir. poucas vezes na vida achei um filme tão engraçado. justo eu, que adoro comédias e que por isso mesmo sempre me decepciono, talvez por esperar demais que elas me façam rir.

a história em si não é tão original. fala sobre um zoólogo que está as voltas de seu casamento, do término de seu trabalho de anos reconstituindo o esqueleto de um brontossauro e a oportunidade de se levantar uma gorda doação para suas pesquisas. claro que nada poderia ser assim tão simples e o atrapalhado cientista acaba cruzando com uma simpática maluca que desde o início o coloca nos mais diversos apuros, se apaixonando por ele depois. tudo bem sessão da tarde, mas esse filme tem uma inocência e uma genuidade que o torna muito cativante.  o casal protagonista é muito engraçado interagindo e os outros personagens, num tipo de humor rápido e insano, também acabam agradando bastante. a sucessão de maluquices e mal-entendidos vai crescendo incessantemente, como uma bola de neve e te leva junto, ansioso por saber onde tudo aquilo vai parar. o ponto alto da história e das gargalhadas da platéia se dá quando todos se encontram na delegacia, em uma avalanche de situações insólitas e dialógos rápidos.

tão doce e ingênuo quanto cômico, foi uma boa descoberta, que compensou te ficado de olho  na programação do que rola de cinema em são paulo, apesar de no início eu ter ficado com um pé atrás pela sinopse e pelo nome do filme (sim, isso acaba importando e não tem como ler o título em português e não fazer referência à "Punky, a levada da breca" que passava no sbt na minha infância). esse, no caso, passou no centro cultural de são paulo, como parte da mostra howard hawks e valeu cada centavo do r$ 1,00 que me cobraram de entrada.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

algumas linhas sobre "the man comes around"de jonnhy cash



desde 2010 ouvi esse cd centenas de vezes. e de vez em quando sinto a necessidade de voltar a ele, como se houvesse algo ali que não encontrasse em nenhum outro lugar. adoro a aura do disco como um todo, que soa como se fosse desentranhado do fundo da alma de Cash com força e verdade. a voz de um senhor calejado pela vida e perceptívelmente velho e cansado (e que já pouco havia do rebelde e problemático jovem músico), cantando com tanta dor e austeridade e fazendo de cada acorde uma lembrança e uma despedida.

a primeira música que me chamou a atenção, até por ser largamente veiculada na mtv em 2003, foi "hurt", originalmente do Nine Inch Nails, que ficou profundamente dolorosa na versão do Jonnhy Cash. ganhou contornos de um acerto de contas com o passado e o que ficou de saudades e remorso.

"give my love to rose" conta a história de um homem  recém saído da prisão que é encontrado à beira da morte próximo ao trilho do trem e pede ajuda a quem o encontrou para que leve o seu dinheiro e suas última palavras para sua mulher (a rose do título) e a seu filho, que não chegou a conhecer. é triste e linda, num estilão country que poucas vezes me agradou tanto.

tenho que destacar também "hung my head" que conta uma história bem ao estilo velho oeste, sobre um assassinato cometido sem motivo aparente e o profundo arrependimento que assola o assassino. são de arrepiar os seguintes versos: "eu senti o poder da morte sobre a vida/ deixei orfão seu filho/ enviuvei sua esposa/ eu implorei por seu perdão/ desejei estar morto/ eu abaixei minha cabeça".

"personal jesus" tem um violão de peso, com belos riffs e um elegante piano sempre presente. gosto da imagem que ela me passa de uma mão amiga, ainda que pesada, disposta a dar amparo a um solitário que procure a fé (em seu próprio jesus). por fim, para não acabar falando de todas as músicas, preciso falar da mais bela melodia do cd, que é "desperado", um tocante conselho para que um cara durão e solitário (para quem "a prisão é andar sozinho por este mundo") "volte a si", "esqueça aquilo que ele não pode ter" e "deixe alguém amá-lo antes que seja tarde demais".

a última música do cd ("we'll meet again")é uma doce despedida que diz: "nós vamos nos encontrar de novo/ não sei onde e não quando/ mas eu sei que vamos nos encontrar de novo em algum dia de sol". não seria tão arrepiante se não fosse de fato a despedida de jonnhy cash, que morreu algum tempo depois, meses após sua esposa, june carter.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Excertos de uma entrevista de H. Miller


Sobre a importância do inconsciente no processo criativo:

"A mente desperta é, como se sabe, o que há de menos útil nas artes. No ato de escrever, a gente está lutando por trazer à tona o que nós próprios desconhecemos. Escrever meramente aquilo de que se tem consciência não nos conduz , na verdade, a parte alguma. Qualquer um pode fazer isso com um pouco de prática, cada qual pode converter-se nessa espécie de escritor."

Sobre a importância do surrealismo em suas obras:

"Isto [escrever surrealisticamente] significava ir ao extremo, mergulhar no inconsciente, obedecendo apenas aos nossos próprios instintos, seguindo nossos impulsos, quer fossem do coração, das entranhas ou o que quer que se deseje chamá-los."

Sobre o dadaísmo:

"(...) o dadaísmo foi mais importante para mim que o surrealismo. O movimento dadaísta foi algo verdadeiramente revolucionário. Foi um esforço cosncientemente intencional no sentido de virar as mesas de pernas para o ar, no sentido de mostrar a absoluta insignificância de todos os nossos valores. Houve homens maravilhosos no movimento dadaísta, e todos eles possuiam senso de humor. Era algo para fazer-nos rir, mas também para fazer-nos pensar."

Sua distinção entre obsceno e pornográfico:

"O obsceno seria o franco, o direto, e a pornografia seria o indireto, o perifrástico. Acho que se deve dizer a verdade, apresentando-a friamente, de modo chocante, se necessário, sem disfarcá-la. Em outras palavras, a obscenidade é um processo purificador enquanto a pornografia apenas aumenta a sujeira."

Sobre o tabu no mundo contemporâneo:

"Os tabus, afinal de contas, não passam de coisas remanescentes, de produtos de mentes enfermas, poder-se-ia dizer, de gente pusilânime que não teve a coragem de viver e que, em nome da moralidade e da religião, nos impôs tais coisas. (...) A religião em vigor, entre gente civilizada, é sempre falsa e hipócrita, exatamente o oposto daquilo que os iniciadores de qualquer religião pretendiam."

("Escritores em Ação", pags. 195 e 196 - Ed. Paz e Terra )

Este é um autor com o qual eu tenho nenhuma familiaridade (devo confessar que nunca ouvi falar de nenhum de seus livros...) mas o qual me chamou a atenção a partir da oportunidade que tive de ler uma entrevista sua. Achei particularmente interessante a  concepção que ele tem sobre o ato de escrever muito atrelado ao inconsciente e ao instinto enquanto fios condutores, numa proximidade com ideias surrealistas, de forma que é, por assim dizer, muito mais através da mente livre e na ausência de esforços cognitivos se que cria. Claro que sempre podemos discutir o quanto de fato é possível produzir algo dessa maneira, distanciados tanto quanto possivel da técnica e do raciocínio, mas de qualquer forma acho que essa mentalidade acabou sendo revigorante para as artes em geral.

Outro ponto que me chamou a presença da obscenidade enquanto característica presente tanto no "ritmo" de sua obra, quanto como uma "técnica de choque". Ou seja, algo espontâneo e intrínseco ao autor e ao mesmo tempo uma maneira deliberada de causar impressões no leitor. Imagino que isso deve ter causado polêmica na primeira metade do século XX. Me soa bela a ideia da obscenidade como purificação e como instrumento para se dizer aquilo que se quer dizer, liberto de amarras.

P.S.: O livro que contém essa entrevista me caiu às mãos bem por acaso e a sua leitura tem sido extremamente agradável e informativa.  É muito legal ler autores como Huxley e Hemingway contando sobre suas trajetórias, seus métodos de trabalho, suas referências e as opiniões sobre outros escritores. Os dois citados, mais Henry Miller são os que eu li até agora, mas estou com grande expectativa para saber o que Ezra Pound, T.S. Elliot, Willian Faulkner, Truman Capote, entre outros têm a me dizer...

sexta-feira, 12 de julho de 2013

canção de quase-amor

para ouvir clique aqui

vem aqui pra fora
que o céu está cinzento
e há tanto a se conversar

vem, mas não demora
que o dia logo acaba
desfaz-se o encantamento antes de começar

e se eu cair num poço fundo
de abraços quentes e velozes
ando em círculos desejando ser melhor ator
volto pra casa assoviando uma canção de quase-amor

vem, vamos embora
os prédios vão dançando
me ofereça a tua boca pra me consolar

eu sei que não é hora
de confessar meus devaneios
mas confundo gostar tanto com quase amar

e te ofereço a eternidade
meio ingênuo, meio fraude
viro água, pego fogo, colho a flor
te inundo, te incendeio, te mostro a dor
escancarada num sussurro,
que afaga teu ouvido
devora tua alma, transforma-se em vício
numa declaração de quase-amor