sábado, 27 de dezembro de 2014

porque na verdade eu quero continuar errando os mesmo erros. os meus próprios e indispensáveis erros (com a calma de quem vê passar a vida). que eles tomem a minha forma e se confundam comigo mesmo (quem eu seria se não mais os tivesse junto a mim?). quero continuar nadando contra a maré, mesmo sem saber nadar e sem ter pra onde ir... quanto tempo será que eu me debato antes de me afogar? acho que eu pago pra ver...
sim eu me contento (me regojizo) em ser o exército de um homem só, o bloco do eu sozinho. ainda que misturado aos outros e bem comportado. não abro mão de conservar esse pequena e frágil tentativa de (fingir) ser um pouco mais. e não se preocupe, eu ainda vou estar aqui.
e é por saber que não há nenhum lugar pra ir que não me alcance eu mesmo, que vou ficando por aqui. já dizia meu amigo álvaro de campos: "O tédio que chega a constituir nossos ossos encharcou-me o ser", não há como fugir.
não me veja como um conformista, um derrotado. procuro fazer disso a minha força e não me furto nem da necessidade de lutar e nem da dor de não vencer. só não me peça pra ser tão heroico quanto vocês...

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

nos versos de neruda

escondido
na página certa
um verso
amarelo do tempo
à espera
da voz ansiosa e líquida
da menina que sente
entre tantos fonemas
o amor do poeta


rouba o verso
e me oferta
e eu sei que o verso é dela,
não de quem o tranca
na dureza da forma
ou na página muda
o verso é de quem ama,
assim como ela ama,
nos versos de neruda.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Algumas linhas sobre "Relatos Selvagens"


Há tempo que não saia tão empolgado de um cinema. Devo dizer que o filme é exatamente o que o título promete: uma sucessão em alto nível de relatos selvagens. 
Impressionou muito por sua originalidade e pela extrema perícia em me conduzir por aquela sucessão de acontecimentos eletrizantes, mantendo-se sempre interessante, com uma pegada dinâmica e recheado de humor negro, violência e ironias. Todas as histórias são muito boas e conseguem manter uma regularidade, prometendo muito desde a primeira, que ocorre antes dos créditos iniciais e termina com chave de ouro com um casamento no qual as coisas dão um pouco errado. Talvez o ponto alto, pelo menos para mim, seja a história do "Bombita".
Basicamente trata de pessoas comuns, que de uma maneira explosiva e não convencional tentam lidar com suas frustrações cotidianas, como um desentendimento de trânsito que perde completamente os limites ou a asfixia causada pela burocrática e ineficiente administração pública que injustamente e de forma reiterada guincha e multa um carro por estar mal estacionado. É ainda e em suma sobre a nossa realidade e nossas frustrações, tendo entre seus ingredientes o passado mal resolvido, o desejo de vingança, a corrupção nas relações humanas, a traição, a violência urbana, compondo situações factíveis e próximas de algo que vivemos ou que no mínimo ouvimos falar, ainda que com desdobramentos absurdos e que, por isso mesmo no causam risos nervosos, descrença e uma oscilação entre a negação e o reforço da forma como aqueles personagens escolheram reagir nas situações em que se encontram, nem sempre sendo bem sucedido. Afinal, entre um rompante de sagacidade ou de burrice há somente uma linha tênue.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

e quando chegou domingo...

...acabei votando na dilma mesmo. um votinho mixuruca, envergonhado. nem olhei pra tela da urna eletrônica. 

lembrei das centenas de milhões de reais que a máquina eleitoral da dilma gastou (e que ganhou de grandes empresas), lembrei dos marqueteiros profissionais que tornam a campanha uma grande enganação,  dos grandes caciques da política que a apoiam, da falta de diálogo com a sociedade civil e movimentos sociais, lembrei das patinadas da economia e das promessas de campanha não cumpridas e tive que fazer um esforço tremendo pra me convencer da tese do "voto crítico", de que, apesar de tudo há o que se preservar.

é que psdb não dá pra engolir, mesmo. quer dizer, continuo achando que no essencial ambos, entre defeitos e virtudes são mais ou menos parecidos (numa ânsia de captar o numeroso eleitorado do centro). mas conta tambem quem acabou se unindo do "lado de lá". o que esperar de um candidato que é apoiado por silas malafaia e bolsonaros (pai e filhos)? o queridinho dos mercados ("ganhamos com a dilma, mas preferimos ganhar com o aécio"), do agronegócio, dos milicos, da bancada religiosa... enfim, a lista é grande. fora que, o próprio eleitorado tucano mais "combativo" é formado em grande parte por pessoas intolerantes e elitistas, que de maneira pouco disfarçada usam seu preconceito como plataforma política e seu ódio ao populacho como princípio moralizador do governo. por fim, se um candidato é defendido com unhas e dentes pela veja é sinal de que NÃO devo votar nele. 

dito isso, segue o barco, mais ou menos na mesma toada. o pt ganhou uma chance de ouro por muito pouco e terá que ter habilidade para aproveitá-la (até porque a oposição saiu fortalecida). apesar de me manter desconfiadamente na oposição, espero que o segundo mandato da dilma ganhe impulso. que consiga se dinamizar e dialogar com as diversas forças da sociedade, que viabilize as tão necessárias reformas institucionais e, se não for pedir demais que dê um salto de qualidade nos serviços públicos (saúde e educação, principalmente). sei que vai ser complicado, mas menos que isso não dá pra esperar.


quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Meus centavos sobre o dilema do segunto turno

diante das duas opções que temos no segundo turno das eleições a presidente, não é difícil se sentir desamparado e sem muita escolha. 

no meu caso, em hipótese nenhuma votaria no candidato do psdb, pela sua biografia, por oposição a algumas de suas propostas, pelo histórico de seu partido e por quem está ao seu lado (se o Malafaia e o Bolsonaro estão lá é sinal de que eu não estou...). questão de posicionamento ideológico mesmo.

por outro lado, me vejo profundamente desiludido e cético em relação à continuidade do petismo. não nego suas qualidades e também reconheço o quanto que a grande mídia bate sem dó no atual governo (e incita uma raiva quase irracional de uma parte da população). acontece que não dá pra fechar os olhos para todos os problemas que vem bater à sua porta: a infeliz flexibilização programática, o abandono de bandeiras históricas, as alianças escusas com antigos inimigos e principalmente a tolerância com a corrupção. pra piorar, em alguns pontos ambos os lados têm comportamentos muito parecidos e detestáveis, se articulando através do financiamento vultoso de grandes empresas, projetos de marketing agressivos e manipuladores e muita sede de poder.

outro ponto que irrita é o fanatismo dos dois lado da disputa. analistas políticos de facebook demonizam o candidato adversário com uma ignorância e virulência de fazer corar qualquer pessoa mais sensata. no anseio de justificar seu posicionamento tornam a política uma briga de feira sem sentido.

dito isso, considero fortemente a opção de se votar nulo. discordo categoricamente de quem diz que essa é uma solução que "renega a democracia" ou de quem "não quer se dar ao trabalho de participar do processo democrático". pelo contrário, acredito que, na medida em que o voto nulo ou em branco são opções próprias do nosso sistema eleitoral, é natural que uma porcentagem dos eleitores optem por elas. ao se votar nulo/ branco se manifesta uma vontade política democrática, passa-se uma mensagem tanto quanto quem vota neste ou naquele candidato. contra aqueles que dizem que "um dos dois vai acabar ganhando", digo, deixe que ganhem. é próprio do sistema que isso aconteça. porém, há momentos em que não se pode simplesmente fazer concessões e um voto "em cima do muro" ou que "lave as mãos" acaba sendo mais representativo da nossa vontade individual e essa é a essência da coisa.

confesso que dada o atual cenário, ainda não estou certo de que votarei nulo, afinal também não descarto a validade de um voto crítico, relacional e de oposição. porém, não gosto do tom alarmista que se emprega para tentar convencer alguém a votar neste(a) candidato(a) ou senão uma coisa muito grave vai acontecer caso o(a) outro(a) seja eleito(a). nem sempre o "inimigo do meu inimigo é meu amigo". às vezes precisamos mesmo é nos desvencilhar dos dois.


terça-feira, 30 de setembro de 2014

Meus centavos sobre ciclovias e mobilidade urbana

Tenho acompanhado com muito entusiasmo os esforços da prefeitura de SP em implantar ciclovias por toda a cidade. Até agora foram 78,3 km e a meta é chegar a 400 km até o final do ano. Há muito tempo me sinto incomodado e penso na questão da mobilidade urbana, principalmente no questionamento da lógica ultrapassada do transporte individual e, consequentemente, da necessidade crescente da implantação de modos alternativos de locomoção.

Desde 2004 tenho fases em que utilizo a bicicleta (quando minha rotina a favorece, o que não é o caso desde o começo deste ano) e sei dos seus inúmeros benefícios. Sei também que o poder público levar a sério o ciclista, como tem feito, é coisa rara. Temos uma ideia atrasada e extremamente arraigada de que o carro é o senhor por excelência das ruas (e da cidade) e que cabe ao Estado dar condições à esse "reinado". Uma espécie de hierarquia, na qual o topo, naturalmente é de quem anda de carro. Em segundo plano fica o cidadão que é obrigado a andar de transporte público e por último vêm os malucos que tem a audácia de usar a via pública sobre uma bicicleta ("brinquedo e não meio de transporte") e ainda o pedestre, esse ser desprovido de tudo e que se arrisca pelas calçadas estreitas e esburacadas da cidade fedida e perigosa.

Enfim, acho que levar a sério a busca de alternativas sobre o assunto demonstra amadurecimento na gestão pública. E nem é ação de vanguarda. Ninguém aqui está inventando a roda. Pelo contrário, corre-se atrás do prejuízo. Outras cidades já têm modelos integrados de mobilidade muito eficientes e que desestimulam o uso do transporte individual. Criando-se uma cidade mais acolhedora e melhor para se viver.

Aí sempre vem o ignorante e atrasado esbravejar que "isso aqui não é Europa pra querer ficar andando de bicicleta", "isso é pura demagogia e não resolve em nada o problema do transporte", "que esses ciclistas imbecis só atrapalham o trânsito", "que essas ciclovias são todas mal feitas" e outras declarações similares. A ele eu responderia: Verdade, para muitos trajetos SP não é propricia ao uso da bicicleta. Vias muito íngremes, muito movimentadas, distâncias muito grandes... tudo isso dificulta ou impossibilita o uso da bicicleta como único meio de transporte. Mas o ponto não é esse. Antes de tudo é a mudança de mentalidade de quem pensa a cidade, é a possibilidade das próprias pessoas decidirem encontrar a melhor alternativa para si e, principalmente a democratização do espaço público. Para trajetos menores (até uns 8km, digamos) a bicicleta é muito boa, sendo até mais rápida que outros transportes a motor. 

Cabe a nós questionar por que quem sai de casa com uma máquina de uma tonelada, que polui e ocupa um grande espaço público tem mais direitos do que quem resolve sair com uma outra "máquina" que não polui e ocupa muito menos espaço? 17 mil quilometros de vias para carros, tudo bem, mas 400 km de ciclovias aí já é "delírio autoritário" (como disse aquele imbecil do Aloysio Nunes). É claro que podemos e devemos criticar a forma como essa política pública é implantada. O fato de concordar com a proposta não quer dizer que ela não deva ser constantemente aperfeiçoada e fruto do debate entre diferentes pontos de vista.

É óbvio que a bicicleta nem de longe se desenha como solução para a locomoção diária de milhões de pessoas. Fora do transporte de massas não há solução e para isso a gente espera a boa vontade do nosso governador vitalício para construir com uma lentidão irritante o metropolitano de são paulo... De qualquer forma eu ainda vejo essa nova maneira de pensar o problema como necessária e benéfica a médio e longo prazo. O que não dá mais é para viver numa cidade feita para o trânsito de carros.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

do ínfimo infinito


impaciente-
mente
sente
pelos
pelos
todo
sal
toda
saliva.
a carne
viva, 
pulsa e
impele.

tateia
lento,
o lume
úmido,
passeia 
lábio e língua
quentes
em cada
canto
em brasa 
ateia fogo
e abraça
o ínfimo infinito...

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

400 vezes eu mesmo

por 400 vezes eu, em pequenos gestos de pretensão, rompi meus entraves e meu rigor pessoal e cliquei em "publicar", após tergiversar longamente sobre qualquer assunto ou sobre assunto nenhum. uma espécie de "egotrip" que se tornou, para mim, o ato de escrever neste, assim chamado "carbono e amoníaco" (obrigado augusto!).

ainda que para um "público" virtualmente inexistente, o fato é que é sempre um tanto quanto difícil se "publicar", dizer "é isso aí o que eu tenho a oferecer". formatar, com início, meio e fim, toda uma necessidade de se expressar e aceitar as limitações inerentes ao processo (e inerente às palavras). expor o que se pensa (na verdade uma das versões, de muitas possíveis), ainda que perceptivelmente confuso, imaturo, sem talento. 

ato corajoso eu arriscaria dizer, já que é muito mais difícil lutar por causas que já se sabe perdidas (e despropositadas) desde o início e sei que, no meu, caso aquilo que escrevo é causa perdida. não pense, porém, que dramatizo à toa. também não é questão de auto-indulgência. acontece que adoro escrever sobre tudo quanto é possível (sobre 400 coisas diferentes!), ainda que tenha consciência da pequenez do meu ato e não desejaria que fosse diferente. gosto dessa escrita pequena, imperfeita, quase invisível, mas que de alguma forma reconheço como minha e ponho no mundo. crio novos limites, novas configurações para mim mesmo. ocupo o meu espaço, ainda que riduculamente (como não poderia deixar de ser...) com gostos, manias, desejos, opiniões, insatisfações...
pode parecer besteira (e é!), mas chegar ao número de 400 postagens neste espaço, ao longo de quase 7 anos tem lá sua relevância. conta-se uma história, acompanha-se uma trajetória banal, mas verdadeira. é o que eu tenho a oferecer, está tudo aí.

como mudamos em 400 notas! como continuamos tão iguais...

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Música para ler - MIS

Ontem, dia 12/08,  tive o privilégio de acompanhar no MIS um bate-papo divertidíssimo sobre música, ou melhor "música para ler" com três grandes jornalistas e escritores, André Forastieri, Ricardo Alexandre e André Barcinski para falar de seus livros sobre música e cultura pop nacional.

Os caras conhecem muito do assunto e contam histórias curiosas e hilárias sobre o cenário musical brasileiro dos últimos 30 ou 40 anos. Uma avalanche de informações interessantes num formato descontraído, que poderia muito bem ter acontecido numa mesa de bar. Análises sobre o mercado musical, relatos sobre artistas, opiniões sobre o que ainda está por vir, a trajetória de cada um enquanto jornalista, as lembranças pessoais de como a música influenciou cada um deles, enfim, muita coisa legal, que poderia ter durado mais uma hora ou duas.

Poderia destacar por exemplo, a história de um tal de "Os Carbonos", banda de estúdio entrevistada por Barcinski, que durante décadas gravou milhares de músicas para todo tipo de artista. Ou a história das "Melindrosas", grupo inventado de última hora (com a Gretchen e a Sula Miranda!) na esteira de sucesso de um disco lançado com músicas infantis em ritmo de discoteca e que, portanto, precisava ter uma cara (ou, no caso, três garotas bonitinhas) pra aparecer na televisão. Ou ainda o fenômeno dos "Secos e Molhados", que de forma totalmente inesperada, dada sua peculiaridade visual e musical em tempos de ditadura, vendeu centenas de milhares de discos para todo tipo de gente brasil afora. Enfim, são muitos causos que ajudam a entender o que foi e o que é fazer/vender/ouvir música no brasil.

Barcinski estava com o seu novíssimo "Pavões Misteriosos", que apesar de relativamente curto, contem muita coisa legal do período de 74 a 83. Pelo que ele falou, foram entrevistadas 65 pessoas, algumas delas até então relegadas ao ostracismo ou à ridicularização que a mídia sempre reservou praquilo que é popular. Ainda não li o livro (que comprei ontem), mas sou muito fã da maneira como ele escreve e acho que a iniciativa de um lançar livro sobre esse período foi ótima. Principalmente quando se tem noção da "furada" que é escrever livros num país sem leitores.

Não pude deixar de comprar também os livros do Forastieri, "O dia em que o rock morreu", e do Alexandre, "Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar" (deste eu já li o ótimo e ambicioso "Dias de Luta", sobre o rock e a cultura nacional nos anos 80). A julgar pelo alto nível do papo de ontem, creio que os três serão ótimas leituras, sobre um tema que eu gosto muito, desde os meus 12 anos, quando comecei a me interessar por rock nacional e conheci o BRock, do Artur Dapiev.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

algumas linhas sobre "medianeras" (ou "a solidão e a cidade" - segunda parte)

dois solitários que se esbarram mas não se encontram, uma metrópole que sufoca e deprime, um mundo cada vez mais virtual e distanciado... esses são os elementos de "medianeras", filme sensacional que conheci quase por acaso. ainda que a principio seu subtítulo tenha me deixado com um pé atrás ("Buenos Aires na era do amor virtual"), ele é muito mais do que a comédia romântica que eu temia encontrar (ainda bem!).

é fácil se identificar com tema do filme. a interessantíssima apresentação que é feita sobre buenos aires ("cidade que vira as costas para seu rio") logo na abertura serviria para a maioria das grandes cidades contemporâneas. parte-se de uma reflexão sobre a arquitetura da cidade - cheia de prédios irregulares, erguidos a esmo, conferindo um aspecto caótico à paisagem urbana - para fazer refletir também sobre como as pessoas vivem nela e convivem entre si. ao mesmo tempo, vemos emergir uma sociabilidade virtual que nos promete muito mais interação e proximidade, ainda que, na prática, se revele um tanto quanto fria e superficial.

o enredo é cheio de boas sacadas e, ainda que de maneira muito leve, nos leva a pensar sobre como é estar no meio de tanto concreto e asfalto, sentindo-se aturdido e deslocado. as pessoas vivem em espaços apertados (em suas caixas de sapato escuras), amontoados e organizados como podem e mesmo dividindo espaço com milhões de habitantes estão cada vez mais isoladas e solitárias. nesse contexto a internet torna-se cada vez mais (oni)presente, substituindo em tudo quanto possível o convívio e o contato direto entre as pessoas (fios e cabos que servem pra nos apoximar ou nos manter cada um em seu lugar?).

nesse cenário um tanto quanto desolador, somos apresentados a Martin e Mariana, dois jovens que moram sozinhos em buenos aires. ele um webdesigner, um "fóbico em recuperação", ela uma arquiteta que trabalha como vitrinista, e que tenta lidar com o término de um relacionamento. ambos têm muita coisa em comum (e creio que com muitos de nós também), são um tanto quanto antissociais e têm suas próprias mania e limitações, o que oscila entre o trágico e o cômico. são dois deslocados na cidade em que vivem, tentando sobreviver a ela e às lembranças indesejáveis e a crônica falta de contato humano de que sofrem. até tentam se adequar e construir algum tipo de sociabilidade, ainda que virtual, mas não conseguem muito bem. continuam se sentido dois perdidos na busca de algo que não sabem bem o que é (e nisso a referência a "Onde está o Wally" é simplesmente genial). 

interessante perceber o quanto o espaço urbano afeta diretamente os personagens, sendo que seus sentimentos e humores estão ligados à maneira como se inserem nele. exemplo significativo nesse sentido é o quanto a entrada da luz do sol, a partir de uma janela irregular construída na medianera do prédio, muda perceptivelmente os ares des seus pequenos apartamentos e o próprio desenrolar de suas histórias.

por fim, o mais legal de tudo, é a competência em contar essa história de maneira tão agradável e bem humorada. Buenos Aires, Martin e Mariana são três protagonistas adoráveis (ainda que cheios de problemas) e algumas situações fazem rir justamente pela identificação que causam e por um sutil mas sempre presente toque de ironia.

tenho certeza que não consegui fazer jus ao filme, que é mais legal do que esses meus parágrafos. assistam que vale bastante a pena (tem no netflix e no youtube).

sábado, 2 de agosto de 2014

Dois excertos de "Verdade e Poder'

"O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma força produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir"

"(...) a verdade não existe fora do poder ou sem poder (...). A verdade é deste mundo, ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentadores de poder."

(FOUCAULT, M. Verdade e Poder in Microfísica do Poder.) 

Gosto da maneira perspicaz com que Foucault pensa os conceitos de poder e saber/ verdade e expõe o entrelaçamento entre ambos, no qual um depende do outro para se sustentar. Afinal, o poder, mais do que ser essa força repressora ou destruidora, se mantém pelo convencimento, pela atração e produz a verdade e a sustenta de maneira circular. Ou seja, não há uma verdade definitiva e anterior ao poder, ela é produzida neste mundo.

terça-feira, 29 de julho de 2014

legal mesmo era no tempo da videolocadora...

sim, este é um texto saudosista, daqueles que, de maneira absurda e pouco convincente, acabam celebrando hábitos passados que, se comparados com o que temos atualmente, mostram-se dificeis e rudimentares.

hoje em dia temos um acesso super facilitado a quase todo tipo de filme. com alguns cliques e um pouco de boa vontade pode-se acessar, legalmente ou não, de lançamentos a clássicos perdidos, de blockbusters hollywoodianos a obscuras produções independentes. o intercâmbio de obras cinematográficas não conhece mais praticamente nenhum obstáculo. milhares de títulos de todas as épocas e todas os países a disposição de qualquer um. isso pode soar como um sonho para toda pessoa que gosta de cinema, inclusive eu, mas não consigo deixar de pensar no quanto as coisas acabam se tornando banais e menos interessantes e confesso que já me peguei sentindo falta de como era assistir filmes em casa há umas duas décadas atrás.

para quem não sabe, nos anos 90 as videolocadoras eram muito populares (me imagino explicando isso para os meus filhos...). tinha praticamente uma em cada esquina. eu era criança nesse tempo e me lembro o barato do ritual de ir com minha família até a que tinha perto de casa e andar demoradamente por aquelas prateleiras repletas de opções. pequenas caixas de plástico das quais eu raramente tinha mais conhecimento do que vinha escrito na capa e no verso. era praticamente contar com a sorte levar uma daquelas fitas, já que capas bonitas e filmes com nomes interessantes poderiam trazer verdadeiras bombas. enfim, o fato é que, de maneira bizarra eu (e minhas irmãs também) alugávamos muitas vezes os mesmos filmes. e não adiantava minha mãe querer argumentar "mas filho, esse já passa direto na televisão" ou "esse você já cansou de assistir". acho que pra criança tão ou mais legal do que a novidade seja ver e rever tanto quanto possível as mesmas histórias.

tinha também aquele recorrente sentimento de decepção quando o filme que você queria muito alugar (pela décima vez ou não) já havia sido levado por outra pessoa. ou ainda meu esforço de convencimento para que minhas irmãs alugassem algo que do meu interesse, já que o combinado era um filme para cada um.

chegar em casa, colocar o vhs no videocassete, assistir aos trailers cheio de expectativas, após o término rebobinar a fita e no dia seguinte assistí-la novamente, já que teríamos que devolvê-la em breve... acreditem, tudo isso tinha o seu charme e era muito divertido. talvez quem tenha vivido essa época concorde. provável que quem não compartilhe dessas lembranças não veja graça nenhuma.

depois, quando o dvd surgiu e se popularizou ainda aluguei filmes mais algumas vezes, mas já não era a mesma coisa e na era da cópia digital e do dvd pirata já não fazia tanto sentido.

claro que sou satisfeito pelo jeito como as coisas são hoje em dia, sei reconhecer os benefícios da tecnologia e fico feliz de abrir um netflix da vida e ter dezenas de opções. os tempos mudam, às vezes rápido demais e a gente se adapta a eles, entre prós e contras. mas, ainda assim, tenho a sensação de que alguma coisa ficou perdida lá atrás, nos corredores das antigas videolocadoras.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

"A solidão e a cidade"

"- (...) tenho um método totalmente involuntário. um gene budista que faz meus dias felizes não tão felizes e meus dias tristes não tão tristes.
- um termostato da alma."


ia falar sobre o filme como um todo, mas foda-se. fiquemos apenas com essa pequena definição de um certo tipo de gente com a qual me identifico e que a genética e buda explicam tão bem...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

sobre a copa do mundo no brasil

devo dizer que está bem empolgante a copa do mundo do brasil. eu sei, parece que estou me contradizendo, já que há pouco mais de dois anos atrás escrevi aqui criticando as reais intenções dos envolvidos e os preparativos para o evento, mas são duas posições que mantenho e que não chegam a se anular. 

dentro de campo, até agora temos visto bons jogos, movimentados, disputados e com uma quantidade inesperada de gols. fora de campo, é muito legal ver tantos estrangeiros que vieram para cá. a oportunidade do convívio entre tantas culturas num clima de festa e confraternização é algo único. trabalho no centro de são paulo e é interessante ver turmas de croatas, alemães, mexicanos, holandeses, entre outros, por aqui, conhecendo e apreciando locais que acabam sendo banalizados na nossa rotina diária.

mas é claro que reconhecer a parte positiva do evento, em hipótese nenhuma diminui tudo de deplorável que aconteceu e tem acontecido. quando a gente para pra pensar em quem está se beneficiando (e muito!) com a copa, não dá pra não ficar desiludido... relendo o que escrevi lá atrás, percebo que a maioria das coisas infelizmente se concretizaram, como o que reproduzo abaixo:
"esqueça essa história de legado. é pra boi dormir. o brasil não estará melhor depois da copa, não haverá o tão alardeado e necessário investimento em áreas estratégicas como transporte, aeroportos, turismo, etc. vão dar um bela maquiada e bola pra frente! serão construídos alguns elefantes brancos, aquelas obras faraônicas e desnecessárias, estádios que após um mês de uso ficarão sub utilizados..."
apesar de não ser tão falado agora, o fato é que o que temos em todas a cidades-sedes são inúmeras obras inacabas e disfarçadas com tapumes e propagandeadas melhorias urbanísticas que por uma incapacidade atroz de planejamento e muita politicagem acabaram sendo canceladas ou postergadas para algum dia no futuro. conseguiram acabar os estádios e olhe lá, que muita coisa também teve que ser deixada inacabada e com problemas. além disso, sabemos que gastou-se um absurdo, principalmente de dinheiro público, sendo que na época garantiu-se que os investimentos seriam totalmente privados. ou seja, fizeram, mas fizeram pela metade, mal-feito, superfaturado e com dinheiro público. foi uma vergonha escancarada para o mundo todo ver.

o que mais me irrita é a contínua desfaçatez e cinismo por parte dos porta-vozes que, para salvarem sua pele, repetiram à exaustão que estava tudo certo, tudo bem e que quem discordasse era pessimista, oposicionista, espiríto de porco. isso é ridículo, tentar calar qualquer tipo de de crítica e questionamento quando se é evidente que a preparação foi feita nas coxas. pra ficarmos num exemplo, o estádio da estreia quase foi excluído, ultrapassou todos os limites de atraso, não tendo nem sido testado em sua capacidade máxima antes do jogo inaugural.

gosto de futebol, gosto de copa do mundo e vejo os pontos positivos desta que está acontecendo no brasil. mas em nenhuma hipótese posso ignorar todos os problemas que aconteceram por essa mistura tão conhecida por nós de incompetência, ganância e corrupção.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Algumas linhas sobre "Poemas Malditos, Gozosos e Devotos"

Fazia algum tempo que um livro de poesia não me impressionava de tal maneira. Este é o primeiro em versos que leio da Hilda Hilst (antes havia lido o "Cartas a um sedutor") e gostei muito da sua maneira de escrever. Sua concisão além de elegante, soa áspera, amarga e direta. Há uma pungência contida em cada palavra que atrai e por vezes atordoa. Sempre difícil de explicar, quem sabe com um exemplo a esmo:  

 "(...)
 Imagina-te a mim
 A teu lado inocente
 A mim, e a essa mistura
 De piedosa, erudita, vadia
 E tão indiferente.
Tu sabes.
Poeta buscando altura
Nas tuas coxas frias.
Se eu vivesse mil anos
Suportaria
Teu a ti procurar-se.
Te tomaria, Meu Deus,
Tuas luzes. Teu contraste."

O livro é construído inteiramente a partir de uma obsessão pela ideia de Deus. Aliás, não a ideia, mas o ser real, palpável, dotado de certas caracterísitcas. São 21 poemas belos e intensos em que a autora se propõe a tratar da sua relação igualmente sacra e profana do encontro com o divino. 

Tomamos contato com uma mulher consciente de sua insignificância, mera "poeira" e que se prostra perante seu criador, (um ente descrito à semelhança do Deus bíblico) numa tentativa de alcançá-lo, aproximar-se e estabelecer com ele uma relação marcadamente íntima, cair sobre seu colo e tocá-lo ("Poderia através/ Sentir teus dentes?/ Tocar-lhes o marfim/ E o liso da saliva"). Quase sempre dirige-se diretamente a Ele, mas deixa de lado o tom respeitoso ou suplicante. O questiona e o acusa (como em "Vive do grito/ De seus animais feridos/ Vive do sangue/ De poetas, de crianças" ou em "é rígido e mata/ Com seu corpo-estaca/ Ama mas crucifica"), o critica e o desnuda como ser terrível, ainda que adorado, portador de uma série de vícios de caráter. Até mesmo desdenha de sua condição e duvida de sua existência (. "E digo sem cerimônias/ Que vives porque te penso"). É sem dúvida um encontro tortuoso de sentimentos antagônicos, que sacraliza e profana, através de uma "devoção cética", um "temor cínico", um "amor herético".

É dessa relação complexa com o "sedutor nato" que o Eu lírico parte ao mesmo tempo para pensar sua própria existência e condição enquanto ser, tão frágil, tão passageiro. Porém, isso não o desarma. Pelo contrário, sente-se ao longo de todo o livro a presença de uma força resoluta que brota desse misto de fé e desilusão e que serve de sustentação existencial, numa busca que é de Deus, mas que torna-se também de si mesmo ("De uma infinita procura/ De tu e eu").

quinta-feira, 5 de junho de 2014

do verso inventado

verso inventado
enquanto espero
concentrado na mancha
de óleo no chão
que forma teu rosto
do jeito que lembro

vento invertido
correndo ao contrário
me arrepia o pescoço
antecipa o inverno
que esse ano não vem
talvez nunca mais...

pés fincados no asfalto
a memória e o chão
sujos de óleo,
um rosto esquecido
e um poema mal-feito,
como se masca chiclete
ou se come as unhas,
enquanto espero



terça-feira, 20 de maio de 2014

breve consideração sobre um parágrafo (II)

"Ter a sensação de que por trás de tudo que pode ser vivido há alguma coisa que nossa mente não consegue captar, e cujas beleza e sublimidade só nos atingem indiretamente, na forma de um débil reflexo, isso é religiosidade. Nesse sentido sou religioso."

encontrei essa citação de Einstein em "Deus, Um delírio". ainda estou no começo da leitura e não sei bem o que pensar sobre o livro (que traz um contundente posicionamento ateísta), mas a passagem acima me pareceu bem pertinente ao tratar do assim chamado sentimento religioso de uma maneira intelectualmente mais "sofisticada" e humana do que a maioria das religiões estabelecidas e seus adeptos. 
esse sentimento do qual Einstein trata, que mistura incompreensão, desamparo e deslumbramento com um universo que é tão avassaladoramente complexo e enigmático tem assolado os seres humanos há milênios. nós acabamos expressando-o através não só das muitas acepções possíveis para a divindidade ou a transcendência, mas também pela produção artística em suas inúmeras formas e pela reflexão filosófica. 
acho que o que o pensamento dogmático acaba nos roubando (por nos dar as respostas inquestionáveis para todas as perguntas) é justamente esse estado de inquietação e de procura de algo que (possivelmente) está lá e não conseguimos captar (ou, se conseguimos, é de uma maneira muito frágil, imperfeita). como o próprio Dawkins diz na obra em questão "um dos efeitos verdadeiramente negativos da religião é que ela nos ensina que é uma virtude satisfazer-se com o não-entendimento". valorizo a beleza presente na liberdade de termos sensações a partir de nossas próprias incompreensões e questionamentos pessoais.
isso pode ser considerado profundamente religioso, ao mesmo tempo em que refuta qualquer tipo de religião.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

10 anos de Virada Cultural


Aconteceu no último final de semana a 10ª Virada Cultural de São Paulo. Dispensável dizer que sou grande entusiasta do evento em si e da proposta de fazer uma enorme festa (principalmente, mas não só) no coração da cidade, a região central, tão mal-tratada no dia-a-dia louco da metrópole. Claro que há inúmeros problemas de organização e principalmente de segurança, mas tenho a convicção de que apesar de tudo temos de continuar tentando fazer da nossa cidade um bom lugar pras pessoas conviverem, se divertirem, saírem às ruas e realmente vivenciá-las em suas infinitas opções. Isso deveria ser algo óbvio e natural para todos nós, que pudéssemos não só sobreviver em São Paulo, mas de fato nos apropriar dela, de suas belezas e encantos escondidos. 

Falo isso por experiência própria, mais do que as atrações do evento, é ótima a sensação de caminhar pelo Viaduto do Chá, 25 de Março, Estação da Luz e mais um monte de lugares que muitas vezes a gente nem percebe o quanto é bonito e agradável. Repito, nem tudo são flores, mas é algo pelo que vale a pena continuar se esforçando. Aliás, essa é uma posição que mantenho há algum tempo e escrevi algo próximo disso também no ano passado.

Este ano não tive tanta sorte na minha programação. Das minhas quatro opções, só um deu certo. Queria ver a volta do Ira!, cheguei quando o show já tinha começado e tinha tanta gente, que eu simplesmente não consegui ver o palco e ainda tive que ter paciência com o aperto e o empurra-empurra. Não tem jeito, melhor mesmo é ver os shows menos concorridos. Fomos ver o Riachão depois e aí estava bem melhor, com pouca gente deu pra curtir muito mais. Ontem (domingo) a ideia era ver O Terno e depois o Apanhador Só. Porém, depois de uma meia hora do início d'O Terno começou a chover muito forte e os dois shows acabaram não acontecendo. 

Acho que essa foi a 6ª ou 7ª virada da qual participei e posso dizer que nunca presenciei nenhum tipo de violência ou bate-boca (ano passado brincava com as pessoas dizendo que o maior desentendimento que vi foi um casal discutindo). Claro que estamos sujeitos a todo tipo de violência que a mídia adora noticiar a cada ano, mas espero que o medo não supere a vontade de fazer um evento à altura da grandeza de São Paulo.
Fazendo uma retrospectiva de cabeça, listo alguns dos bons shows que pude ver até hoje na Virada: Pato Fú, Plebe Rude, Inocentes, Garotos Podres, Ratos de Porão, Hermeto Pascoal, Mundo Livre S/A, Marcelo Camelo, Autoramas, Cachorro Grande, Lobão, Riachão, Mombojó, Lirinha, Vanguart. Mas tão interessante quanto ir com programação certa é andar meio que a esmo pelo centro e acabar vendo um monte de shows muito interessantes de músicos até então desconhecidos.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Algumas linhas sobre "O Passado"

Filme mais recente do diretor iraniano Asghar Farhadi, que ficou famoso por "Uma Separação " de 2010, que chegou a ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro (e que eu não vi).

Conta a história de um iraniano que vai para a França, a fim de formalizar seu divórcio com Marie, quatro anos depois de sua partida. Lá reencontra-se com a sua ex-mulher e as filhas dela (de um casamento anterior), Lucie e Lea e acaba conhecendo também o homem com quem Marie está envolvida, Samir, e seu filho, Fuad. O que começa como uma situação aparentemente sob controle (ainda que incomôda), vai se mostrando cada vez mais tensa e conflituosa.

É basicamente um grande drama familiar que se desvenda aos poucos, mostrando as relações dolorosas e cada vez mais complexas nas quais se inserem aqueles indivíduos. No começo sabemos muito pouco sobre as motivações de cada um e é muito lentamente que vamos entrando em contato (ainda que nunca totalmente) com aquelas pessoas. Como uma sombra, o passado a que remete o título afeta a todos de diferentes formas. A filha mais velha, Lucie, se opõe ao novo casamento da mãe e se mostra bastante arredia por algum motivo. A (ex) mulher de Samir está em coma, também por motivos desconhecidos de início. O próprio Ahmad se vê envolvido até o pescoço com os problemas da família que deixou pra trás, sendo que, inclusive sua situação com Marie se mostra um tanto quanto mal-resolvida. As camadas de complicações vão se sucedendo e se acumulando gradativamente e a história toda fica cada vez mais problemática e de difícil solução. As crianças, Lea e principalmente Fuad, são especialmente afetadas, ficam no meio de todas as brigas sem conseguir entender o que está acontecendo.

A atmosfera toda do filme é triste e pesada, mas sem nunca cair no melodramático ou no simplório. São pessoas normais, em suas vidas comuns, lidando com situações passíveis de acontecer com qualquer um. E acho que o que mais me prendeu à narrativa toda tenha sido justamente essa capacidade de se contar uma história dessas com muito equilíbrio e honestidade. Não cai na tentação de se facilitar tomando partido e definindo quem está certo e o errado, ou quem praticas boas ou más ações. São somente pessoas sendo pessoas, lidando com seus anseios, ciúmes, remorso, raiva, insegurança, da melhor forma que conseguem e por isso acabam, justamente por isso se machucando e machucando os outros a seu redor. Mas para mim é justamente dessa sensibilidade em captar a fragilidade humana que nasce a maior qualidade do filme.



sexta-feira, 9 de maio de 2014

de dois assuntos irrelevantes que se misturam...

vivo de repente uns picos inexplicáveis de felicidade. um frio na barriga, uma fúria de abocanhar o mundo. como se lá fora algo de muito bom estivesse me esperando e eu acabasse de ficar sabendo. fico ansioso, quero tudo! essa sensação (orgásmica!?) dura uns quinze segundos. logo passa e o que fica é a mesma indiferença morna de antes, por todo o corpo. a vida que pinga em conta gotas... de onde surge essa estranha felicidade? tento entender. parece que por alguns momentos tudo faz sentido e chego a conclusão que a vida é boa. não que não seja. é! só que pensando assim é só mais um pensamento estéril, acomodado. o que muda nesses quinze segundos, então? não sou nem mais nem menos do que no instante anterior ou no seguinte. sou o mesmo. um corvarde que faz da racionalidade escudo contra a dor da vida e que dessa forma se priva do êxtase. ou talvez um místico, que à sua própria maneira (tergiversando sempre!) suplica pela interseção do sobrenatural. continuo no ensaio, no rascunho, não crio coragem para gritar "valendo". não me arrisco muito, nem dou a cara a tapa. acabo sempre descrendo da cara e do tapa. não peça pra levar a sério. tenho vontade de rir quando vejo tanta gente se matando por esse algo a mais, pelo pote de ouro que eles acreditam que há no final do arco-íris. talvez o melhor mesmo seja somente crer no arco-íris.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Algumas linha sobre "Dossiê Drummond"

O maior poeta que este país já viu? A esmagadora maioria diz que sim. Alguns outros dizem que não ou preferem não entrar no mérito. Concordo, besteira esse negócio de pódio. Eu mesmo tenho alternado, ao longo dos anos, a resposta sobre meu poeta favorito. Isso é bom: repetir a pergunta e chegar a diferentes conclusões...

Ainda assim, meu fascínio por Carlos Drummond de Andrade é evidente. O gauche itabirano, para recorrer a um clichê ou o "burocrata que fazia versos", segundo a sua própria (e injusta) definição é sem dúvida um dos grandes autores do século XX e que ainda ecoa pelo nosso tempo, ao contrário do que previa, a dizer que "em vinte anos estaria esquecido". Não está e não fosse o português língua marginal, Drummond teria reconhecimento mundial. Independente disso, lê-lo, para mim, é uma experiência pessoal inigualável e muito representativa de fases da minha vida. Abrir algum de seus livros (o "Alguma Poesia" ou o "Sentimento do Mundo", por exemplo) é correr o risco de encontrar algo de mim mesmo ali naquelas páginas. Um sentimento quase adolescente de profunda identificação.


Tive a oportunidade de ler recentemente "Dossiê Drummond", de Geneton Moraes Neto, que traz um apanhado de pequenas revelações sobre sua vida e obra. Principalmente sua vida, que era bem pouco conhecida por mim. O livro é dividido em partes, que incluem uma longa entrevista com o autor (a última), até então conhecido por ser avesso à entrevistas e outras formas de exposição midiática. Depois vários "retratos falados", declarações e "causos" interessantes de amigos e admiradores. Vale citar também a transcrição de uma fita que ele gravou com sua "namorada", Lygia Fernandes, na qual discorrem longamente, entre gracejos e chamegos, sobre alguns pontos da obra de Drummond e sobre a própria relação deles, num tom despretensioso.

Vemos emergir das páginas do dossiê uma figura muito humana, com suas idiossincrasias, limitações, defeitos e virtudes. Chama a atenção a sua descrição como um homem em geral tímido, discreto, avesso aos contatos sociais, modesto em relação a sua produção poética, metódico em sua organização pessoal e profissional. Por outro lado é considerado espirituoso e falante com os mais chegados, ainda que mantendo certa reserva.
Tomamos conhecimento de episódios da sua biografia, principalmente a vida cotidiana. Seu breve envolvimento com a política (quando fez parte de um jornal comunista), seu trabalho como chefe de gabinete do Ministro da Educação no governo de Getúlio Vargas, suas opiniões sobre determinados fatos da época, seus gostos e desgostos. A própria relação que ele tinha com a sua obra chama a atenção por ser marcadamente crítica, relutando em reconhecer sua inegável importância.

Dois fatos me parecerem mais relevantes. O primeiro, bastante conhecido, é a devoção que o poeta tinha pela sua filha única, Maria Julieta, a pessoa que mais amou na vida. Além de se sentir muito conectada com ela, enquanto amiga e confidente, a considerava sua herdeira intelectual. Drummond ficou extremamente abalado com sua morte, morrendo alguns dias depois que ela. O outro, até então desconhecido por mim, é a existência de uma amante em sua vida ao longo de 36 anos. Seu nome é Lygia Fernandes. Ambos se conheceram quando Lygia foi trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde Drummond já trabalhava. Ela tinha 24 anos e ele 49. Se apaixonaram, ficando juntos até o fim da vida, porém sem que Drummond largasse a esposa "oficial", num caso curioso e inesperado de bigamia. Ao que parece, foi ela seu grande amor. A parte em que ambos falam numa gravação é muito bonita, e demonstra a existência de uma cumplicidade profunda e muito afeto entre eles.

Enfim, o livro como um todo é a grata oportunidade de espiar, mesmo que vagamente, o poeta pr'além da sua poesia. Ainda que continue achando que o que vale é a "verdade de um poema", no sentido de que o autor é secundário diante de sua obra, achei muito interessante poder "ouvir" o que Drummond tinha a dizer ou o que tinham a dizer sobre ele.



segunda-feira, 31 de março de 2014

vhils

Dias atrás passei por uma exposição na Caixa Cultural, "Street Art - Um Panorama Urbano". Apesar de ter umas coisas muito legais, foi meio decepcionante por ser bem reduzida. Devo ter demorado uns 20 minutos pra ver todos os trabalhos que tinha ali e senti que ficou inacabado.

Deixando isso de lado, além do Banksy que é um artista sensacional, me impressionou a obra de um cara que eu nunca tinha ouvido falar, um tal de Vhils. É um português de 20 e tantos anos que tem um jeito meio inusitado de criar. Pelo pouco que pude perceber, consiste basicamente em formar desenhos em muros através da "destruição". Utilizando-se de marreta, talhadeira e sei lá mais o quê, o cara vai quebrando e descascando as paredes, fazendo buracos de tamanhos variados, expondo tijolos e reboco, para, no final, fazer surgir rostos super realistas. 

É interessante demais o processo pelo qual ele faz suas obras. Elas passam ao mesmo tempo uma sensação de ruína e de beleza. Esculpindo a parede, quebrando-a, ele vai formando rostos que chamam a atenção pelos detalhes e que, ao se chegar perto não são mais do que velhas paredes destruídas. Não há cores vibrantes, somente os tons esmaecidos, próprios do concreto e da cidade. Não há formas além daquelas que surgem da depredação da parede. O que forma o desenho é aquilo que se destrói, o escombro. Mais "urbano" impossível.

Sua arte surge da decomposição. Não se põe nada ali além do que já existe. Nenhuma cor ou nenhum material além. Os rostos, estão sempre sérios e observam a cidade. Impregnados no cinza do muro duro me soam como almas esquecidas. Algo que sempre esteve ali, só faltava alguém que tivesse o trabalho (ou a audácia) de mostrar.


quinta-feira, 20 de março de 2014

conservadores lunáticos e a saudade da ditadura

Sou um profundo defensor do direito que as pessoas têm em serem imbecis, em acreditarem e propagarem qualquer tipo de ideia estapafúrdia. Qualquer um tem o direito de jogar seu respeito e credibilidade intelectual no lixo. Mas tem alguns momentos que não dá pra simplesmente deixar passar, como se não fosse nada.

Ultimamente leio aqui e ali umas aberrações defendendo a volta da ditadura militar, como uma solução mágica e infantil de nossos problemas enquanto sociedade. Nós, seres humanos, somo assim, aguardamos ansiosamente uma solução mágica, um herói que nos livrará de todo o mal, colocar ordem na casa, uma figura paterna severa, que tomará para si a tarefa de educar seus filhos e tomar todas as decisões por eles. Pode reparar, esses "amantes da ditadura" não pedem por mais poder de decisão para si e para os outros, não pedem mais eficiência das instituições democráticas. Elas querem é que um ente superior resolva todos os seus problemas através da concentração do poder. Querem continuar confortavelmente na sua alienação mediocre de quem não tem nenhuma responsabilidade".

Isso é irreal. Dá pena de quem pensa assim. Não existe ditadura boa, todas elas são ruins porque não aceitam questionamento, oposição, não se curvam a nenhum poder superior a elas. Confiar somente nas boas intenções dos detentores desse poder centralizado é arriscado demais. E isso aconteceu na na nossa ditadura militar. Setores da sociedade e da imprensa, que a principio regojizaram pelo golpe foram pouco a pouco sentido o baque, foram percebendo que liberdades e direitos garantidos pelo Estado são importantes e fazem falta quando perdemos. Bem ou mal neste país, estamos tentando fazer com que o poder político soberano respeite a lei, que é feita pelos legisladores, que são eleitos pelo povo. Ok, esse modelo funciona muito mal, está cheio de vícios. Mas ainda assim é melhor do que alguém que use da força e da coação como preferir.

Os governos militares a partir de 1964 foram tão ou mais corruptos do que os pós-reabertura. Muita gente enriqueceu ilicitamente, a máquina estatal era aparelhada e servia aos interesses do governo, decisões políticas e econômicas desastrosas foram tomadas, não havia quase nenhum respeito às "regras do jogo". A oposição servia de enfeite. Pior, perseguia-se, matava-se opositores políticos, censurava-se a imprensa. Como que alguém, em são consciência consegue concluir que uma situação dessas é melhor do que a que temos hoje (e a que podemos alcançar amannhã)? Foi um regime imoral, medonho, indefensável sobre todos os ângulos.

Fala-se tanto do "mensalão", como um exemplo de falência das instituições, mas vocês acham que se fosse numa ditadura, tal esquema de corrupção teria sido denunciado? Investigado? Julgado? Ou que algum agente público teria sido condenados? Podemos discordar de muitas coisas sobre o processo, podemos amar ou odiar os réus e os "PTralhas", mas não podemos negar que esse julgamento foi histórico, impossível de ter acontecido no tempo passados. E, repito, pode ter certeza que muita coisa pior acontecia naquela época.

Chego a conclusão que, de maneira geral, esses saudosistas da ditadura não sabem o que estão falando. Assistem o Datena e leem a Veja e têm alguns rompantes reacionários e autoritários. Concluem em suas cabecinhas quase ocas que está tudo uma porcaria e que a solução é acabar de uma vez com nossa frágil democracia. Não, não é.

Sim, ela é corrupta, ela funciona mal, é fisiologista, corporativista, demagógica, mas ainda assim é a nossa pouca garantia que as coisas não possam ser ainda piores. Pelo menos eu sei que posso falar mal e discordar do governo, eu sei que bem ou mal há uma oposição lá no congresso fiscalizando o governo, sei que tenho alguns direitos fundamentais que ninguém pode me tirar e que justamente por serem violados todos os dias é que temos lutar cada vez mais por eles. 

Sério, vão por mim, é mais seguro e garantido viver numa sociedade na qual o Estado não tenha o poder de te ameaçar, entrar na sua casa a qualquer hora do dia, te torturar para conseguir informação, ou te matar e dizer que você se suicidou. É melhor quando a gente sabe, através de umas letrinhas escritas no papel (também chamadas de lei) exatamente quais são nossos deveres e nossos direitos e que os representantes do Estado também tem que seguir aquelas letrinhas. A ditadura que enrabar o outro pode muito bem acabar enrabando você...

Sinto que estamos perdendo um tempo enorme tratando fantasiosamente de coisas absurdas, como se fossem as coisas mais naturais do mundo. Sinto que eu estou perdendo meu tempo com lunáticos. Faça um favor para você mesmo pueril e delirante adorador de ditaduras, mantenha-se calado e evite que as pessoas saibam o tamanho da sua imbecilidade.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Então, adeus...

Gostava quando você tossia. Alguma coisa em mim se animava ao ouvir aquele "cof, cof" (na falta de onomatopéia melhor...). Era você de volta. Era eu me apegando a qualquer coisa passada que me trouxesse um pouco de comforto. Um gesto tão inequivocamente seu, que eu sentia que você estava de volta. A mesma tosse que há muito tempo atrás vinha da cozinha e eu ouvia deitado no sofá da sala. A leveza por saber que você estava lá e que tudo estava bem. Nós sempre estamos nos gestos mais despretensiosos e corriqueiros: um jeito de apertar os lábios ou de ajeitar os óculos, de rir fechando os olhos, de andar devagar.

Às vezes me lembro... Uma lembrança débil, nebulosa, confusa, que se esforça pra se fazer presente. Me assusto com o fato de que cada vez menos consigo me lembrar de como era antes, lá atrás. Sinto dificuldade em aceitar que você não é mais e que, com isso, eu também sou menos. Porque a gente nunca é só a "gente" mesmo. Eu sou também o que os outros fazem de mim. E eu gostava tanto do que você me fazia ser... 

Aí eu percebo que viver é sempre pela última vez. Percebe? Sou eu me fazendo e desfazendo continuamente. Às vezes na porrada! E sempre que eu ia embora e voltava você me jogava essa verdade inconveniente na cara. Ao não me chamar pelo nome, ao não me olhar nos olhos, ao não fazer o que você sempre fez, você negava um pouco a minha própria existência. Por isso era importante reconhecer e me apegar àquele seu pequeno gesto. Era eu sabendo que, afinal não estava perdido por completo. E eu pensava em você e no resto das coisas e de alguma forma percebia que é sempre pela última vez. No fundo eu sabia que partir é só uma questão de quando e que não me seria permitido ensaiar despedidas. Se assoprarmos a camada de rotina e fixidez que nos cobre e nos acalenta podemos perceber que é sim, sempre sobre adeus.
Então, adeus.

sexta-feira, 7 de março de 2014

não te canto,
não te conto
verdade inteira,

toda encanto
etérea, terrena

nem te corto
ou te escondo
na tristeza da tinta
que turva e teima
(traição suprema!)

posto que a vibração
da sua presença
entorpece já
meu desatino
gotejado túmido
em tantas folhas

não te canto
toda, em cantos
tímidos, escondidos
na existência incerta
que compartilhamos,

seres que se tocam
e se repelem,
forças que se inflamam
e tentam a busca
do último retiro

(...sou torto,
não sei dançar
teu tango)

sábado, 1 de março de 2014

quatro tentativas perdidas (e recuperadas por uma garota insolente)

I. "Me vi mil vezes saindo por aquela porta...
Por força da inércia acabei ficando, mas minha alma saiu e me fez mais ausente do que qualquer um lá fora".

II. "Quis dizer tudo o que há muito já estava em minha cabeça. Pensamentos revolucionários, megalomaníacos, ousados
Grandes demais para uma vida 
(ou duas)
Calei-me
(Talvez a grande rebeldia seja se calar)"

III."Faço tudo que de mais previsível e explícito poderia fazer. E me suponho como dono de uma discrição sem igual. Afinal, você sabe tudo o que eu penso e que digo sim ao dizer não e usa isso contra mim.
Ou não!"

IV. "Uma folha em branco e te faço tão branca como a folha.
Tão folha quanto linda
Tão minha...
Bola de papel que vai p/ o lixo."


...: Não foi. 
     Nunca folha em branco.



(Lá de 2007)

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

breve consideração sobre um parágrafo...

"(...) o homem contemporâneo, estimulado por uma série de cirscunstâncias, deu grande relevo às necessidades e aos interesses de natureza econômica, obtendo-se um extraordinário crescimento nessa área, praticamente em todo mundo. Entretanto, para obtenção desse resultado, vêm sendo deixado para trás setores inteiros da sociedade, constatando-se, então, que o crescimento, que é apenas o aumento das quantidades, não é acompanhado por um desenvolvimento, que exige melhoria qualitativa. Em outras palavras, esse inegável crescimento econômico não é o produto da utilização adequada dos recursos sociais, no sentido de atendimento do bem comum, revelando-se, portanto, absolutamente inútil e, às vezes, até  prejudicial para esse fim"

(DALARI, Dalmo de Abreu; Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 16. Ed. Saraiva)
______________________
Sempre me causou certa estranheza e descontentamento esse tipo de ideologia e esse modo de governar voltado basicamente para o crescimento econômico, se limitando a melhorar a todo o custo os indicadores (aumentar o PIB, reduzir o desemprego, exportar mais, alcançar metas de superávit...) como se o nosso objetivo enquanto nação e sociedade fosse basicamente produzir mais e consumir mais, num ciclo eterno, um fim em si mesmo que se cala sobre tantas outras questões que deveriam ser colocadas na pauta. Esquecemos de nos perguntar por quê, pra quê e até que ponto desejamos essa maior circulação de riquezas.
Não que deixe de ser importante que o país mantenha-se economicamente saudável (e aqui me abstenho de entrar no mérito sobre o que exatamente seria isso), mas Dalari toca no ponto quando questiona se, no final das contas, essa corrida cega e irracional não acaba por colocar em segundo plano outros objetivos sociais que também deveriam ser considerados essenciais. Por exemplo o direito a um meio ambiente saudável, que tem sido desde sempre ignorado por uma lógica que persegue o crecimento econômico doe a quem doer (e a gente sabe em quem doi...). A maioria de nós, brasileiros, vivemos em cidades hostis, violentas, poluídas e que de maneira geral não nos dá qualidade de vida.
Não sei (e não sabemos) exatamente o que é esse tal de "bem comum", mas se ele envolve minimamente as diversas aspirações dos seres humanos, devemos logo de saída nos questionar sobre a necessidade de repensar e reinventar nossas metas e estratégias enquanto sociedade.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Algumas linhas sobre "Beleza e Tristeza"

Não sei ao certo por que escrever sobre esse livro. Não foi o melhor que li na minha vida, talvez nem mesmo no ano (e estamos apenas no segundo mês!).

Arrisco dizer que há nele algo de marcante que eu não havia encontrado antes em nenhum outro, uma força intrínseca que é de fato ao mesmo tempo bela e triste. Sei, isso é demasiadamente vago. Terei condições de me explicar melhor?

Não quero falar muito sobre o enredo em si. Mas adianto que o cerne é um doloroso caso de amor de um homem caso com uma jovem. Eles se afastam, mas as feridas permanecem indeléveis em cada um. Ninguém está totalmente imune aos acontecimento; é o que os une e os afasta e o que determina a maneira como eles se relacionam entre si e consigo mesmos. Como um fantasma que está sempre presente e do qual não se consegue escapar. Logo todos estão sufocados em sentimentos como remorso, amor, solidão, vingança, ciúmes... Presos ao passado o mundo se torna um lugar amargo e difícil. Há uma leve e permanente camada de melancolia sobre todos a trajetória deles. Não é possível ser feliz, deixar o passado para trás.

Mas é desse estado melancólico que surge a beleza aludida no título, sempre acompanhada de um certo amargor, mas ainda assim plena. Os protagonistas canalizaram a sua dor na arte. Ele, um famoso escritor, tem nos relatos de suas memórias sua obra-prima, ela uma talentosa pintora, encontra nas artes plásticas uma maneira de recomeçar sua vida. Ambos carregam esse pesado fardo de uma maneira digna, constrita, silenciosa. Aceitam a tragédia e a dor indissociável de suas trajetórias, não renegam, mas criam,  a partir delas, coisas belas. Não ha escapatória possível, os sentimentos que nutrem é o que os fazem ser quem são, é o que os impossibilita de ser feliz.

A própria maneira como a história se desenrola é sutil, contemplativa. Lenta e delicadamente o autor vai construindo uma rica pintura, em longas descrições das paisagens japonesas, de sua natureza e seus antigo templos, o que acabou me remetendo a delicadas pinturas de tons suaves. O movimento ambíguo dos personagens, seus diálogos, a forma ora frágil, ora pungente como interagem entre si e com o ambiente, tudo ali guarda uma grande beleza, que misturada à inescapável melancolia que permeia toda a história, acaba por causar no leitor uma sensação de deslumbramento e vazio.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

bobagens...

Falta alguma coisa
Quero carregar a vida na mala
Oras pois, quando viajo,
parto para nunca mais voltar.

Parte de mim vai embora
e outras simplesmente surgirão
A menina que vai não é o mesma que volta
Meu partir é transformação



- Eu, Bob e a bagunça. Muita bagunça
______________________
porque quando o silêncio é demais, a gente para pra ouvir ao redor...

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

elíptico

pausa:

é como se eu sempre estivesse dois passos atrás de mim mesmo.
aturdido, limitado pela minha própria pseudo-sagacidade.
olho todos ao meu redor, tão sábios, seguros de si e do mundo. andam de peito estufado, exibindo insígnias invísiveis...
não falam nada, os cínicos!
eles sabem o que vem depois, sabem o que se passa agora... fico intrigado: "há aí alguma coisa!". não me contam, dissimulam, passam reto, piscam cúmplices uns aos outros e guardam o segredo para si.
 
não, da minha parte não há sagacidade nenhuma... fico distraído, olhar perdido em alguma parede branca. procuro em tudo uma possível revelação, o êxtase emocional que nunca chega a se cumprir.
há em mim um desejo pueril de redenção. o surgimento triunfal do herói para nos salvar.
"deve haver alguma coisa que ainda te emocione", diz a canção.
então eu espero o momento em que tudo finalmente se encaixe e faça sentido.
e nesse momento eu diria aliviado: "puxa, é isso. tão simples! cá estamos, no topo da roda gigante".
mas não, há sempre algo que me é inescrutável, inacessível...

algo que eu não sinto, não toco, não penso, não intuo e que talvez nem mesmo esteja aqui
(ou lá, ou em qualquer lugar).

eu tento me enturmar. digo que sei o que eles sabem, finjo que vejo a nova roupa do rei.
eles sabem que eu não sei... e posso jurar que riem pelas minhas costas. "como pode, coitadinho".


fico assim, com esse fiapo de carne (entre o primeiro e o segundo molar) que o fio dental não tira.
mas como incomoda!




quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Cinema em 2013

Com certeza não vi tudo o que queria no cinema no ano que passou. Muitas vezes falta tempo, dinheiro ou disposição. Mas enfim, daquilo que eu vi acho que os seguintes merecem ser relembrados:

Django Livre  - Inevitável que este estivesse aqui.  Aguardava com curiosidade esse novo filme do Tarantino, dessa vez com uma temática western que me atrai bastante. A parceria entre o caçador de recompensas e o escravo Django deixa a história bem interessante, assim como sua posterior jornada para enfrentar um poderoso aristocrata e libertar sua esposa, carregada de tensão e claro, muita violência e litros de sangue.

No - O Gael Garcia Bernal é um puta ator e a história é contada de forma muito interessante. Baseado em fatos reais, passa-se no Chile, na época da ditadura militar e mostra os esforços da oposição em defender e propagar seu posicionamento político no momento em que o governo é pressionado a propor um referendo sobre a permanência ou não do Pinochet no poder. Gostei muito do enfoque dado ao marketing como arma política num país controlado.

Anna Karênina - Uma história grandiosa, contada de forma exuberante. Essa versão tem umas ousadias estéticas que me agradaram, como sugerir em alguns momentos pedaços de um palco, como se a cena se passasse no teatro. Gostei muito da direção de arte e da atuação da Keira Keithley e do Jude Law.

Hannah Arendt - Filme lento, de ideias. Mostra uma mulher brilhante e intensa, num dos episódios que marcaram sua vida intelectual, quando de maneira polêmica e corajosa analisa o julgamento de um ex-oficial nazista (Eichmann). Na contramão das opiniões da época questiona a pretensa "monstruosidade" que queriam atribuir a ele, bem como a resposabilidade dos líderes judeus na forma como conduziram as decisões relativas a seu povo na época do holocausto. Enquanto filme não é nenhuma maravilha, mas me interessou muito por me aproximar ainda mais da admirável pensadora que foi Arendt.

Pedalando com Molière - Dois atores se encontram para fazer leituras dramáticas de "O Misantropo". Um deles, ator famoso, tenta convencer o outro, um recluso, afastado há anos dos palcos, a encenar essa peça. O tema da misantropia (desgosto pela sociabilidade, ódio pela humanidade) vem à tona e é trabalhado no filme (pr'além da peça) de forma muito instigante, principalmente na relação de amizade e de rivalidade que eles nutrem um pelo outro.

Gravidade - Gostei muito do foco da história, que é a sobrevivência quase como instinto. Não há atos de heroísmo e nem grandes peripécias e o ser humano é colocado como totalmente vunerável, exposto à força avassaladora da natureza, o que causa uma constante aflição. A protagonista tem muito medo e pouca coisa a fazer para se salvar, devendo inclusive vencer suas barreiras psicológicas. O final é inspirador e emocionante, tanto como desfecho quanto como metáfora sobre o (re)nascimento. O filme visualmente é lindo, com o espaço sendo retratado de maneira grandiosa.

Vovô sem Vergonha - Com Johnny Knoxville (aquele do Jackass) no papel de um avô que viaja o país para levar o neto para morar com o pai, é para quem gosta de filmes tipo Borat, em que as cenas são gravadas sem que as pessoas que participam saibam, sendo surpreendidas com as situações mais inusitadas e absurdas pelos atores. Recheado estupidez e escatologias variadas, me fez sair do cinema com o rosto doendo de tanto rir. O molequinho que faz o papel do neto é um sarro e a última cena dele é a melhor do filme.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014


"Doze meses e lá se vai um ano". De novo! Me impressiono fácil com essas coisas... fico a pensar no que foi e no que será. Não que eu tenha muito controle sobre tudo, claro. Se ouso pensar que tenho, logo vêm uma força estranha (destino, acaso, deus?) me mostrar o quanto estou suscetível. Me colocam sentado na primeira fileira e encenam minha vida com um roteiro escrito de improviso. Mas no final das contas pode até ser boa essa sensação de fragilidade, ser um barquinho à deriva nesse marzão aberto e - por que não? - aproveitar os minutos antes do naufrágio ao som de Cartola ou Nelson Cavaquinho. Acho que os 365 dias que chamamos de 2013 foram importantes pra perceber isso. 

Perceber também o tempo acumulado, em forma de "datas e nomes", pessoas, experiências, lembranças que passarão a dormir e acordar comigo. Se espalharão pelos cantos da casa e me acompanharão quando sair. Isso me assusta e me acalma, me torna exatamente aquilo que sou. Não que seja algo a ser orgulhar, poderia ser outro (infinitas possiblidades), mas o pouco que sei é deste aqui, homem banal, que por mais que esconda tem esperanças para os próximos 12 meses e remói saudoso todos os outros que passaram.

E que a contagem regressiva continue enquanto eu finjo que sei o que estou fazendo! Afinal, "quem sabe de mim é meu violão".