terça-feira, 20 de maio de 2014

breve consideração sobre um parágrafo (II)

"Ter a sensação de que por trás de tudo que pode ser vivido há alguma coisa que nossa mente não consegue captar, e cujas beleza e sublimidade só nos atingem indiretamente, na forma de um débil reflexo, isso é religiosidade. Nesse sentido sou religioso."

encontrei essa citação de Einstein em "Deus, Um delírio". ainda estou no começo da leitura e não sei bem o que pensar sobre o livro (que traz um contundente posicionamento ateísta), mas a passagem acima me pareceu bem pertinente ao tratar do assim chamado sentimento religioso de uma maneira intelectualmente mais "sofisticada" e humana do que a maioria das religiões estabelecidas e seus adeptos. 
esse sentimento do qual Einstein trata, que mistura incompreensão, desamparo e deslumbramento com um universo que é tão avassaladoramente complexo e enigmático tem assolado os seres humanos há milênios. nós acabamos expressando-o através não só das muitas acepções possíveis para a divindidade ou a transcendência, mas também pela produção artística em suas inúmeras formas e pela reflexão filosófica. 
acho que o que o pensamento dogmático acaba nos roubando (por nos dar as respostas inquestionáveis para todas as perguntas) é justamente esse estado de inquietação e de procura de algo que (possivelmente) está lá e não conseguimos captar (ou, se conseguimos, é de uma maneira muito frágil, imperfeita). como o próprio Dawkins diz na obra em questão "um dos efeitos verdadeiramente negativos da religião é que ela nos ensina que é uma virtude satisfazer-se com o não-entendimento". valorizo a beleza presente na liberdade de termos sensações a partir de nossas próprias incompreensões e questionamentos pessoais.
isso pode ser considerado profundamente religioso, ao mesmo tempo em que refuta qualquer tipo de religião.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

10 anos de Virada Cultural


Aconteceu no último final de semana a 10ª Virada Cultural de São Paulo. Dispensável dizer que sou grande entusiasta do evento em si e da proposta de fazer uma enorme festa (principalmente, mas não só) no coração da cidade, a região central, tão mal-tratada no dia-a-dia louco da metrópole. Claro que há inúmeros problemas de organização e principalmente de segurança, mas tenho a convicção de que apesar de tudo temos de continuar tentando fazer da nossa cidade um bom lugar pras pessoas conviverem, se divertirem, saírem às ruas e realmente vivenciá-las em suas infinitas opções. Isso deveria ser algo óbvio e natural para todos nós, que pudéssemos não só sobreviver em São Paulo, mas de fato nos apropriar dela, de suas belezas e encantos escondidos. 

Falo isso por experiência própria, mais do que as atrações do evento, é ótima a sensação de caminhar pelo Viaduto do Chá, 25 de Março, Estação da Luz e mais um monte de lugares que muitas vezes a gente nem percebe o quanto é bonito e agradável. Repito, nem tudo são flores, mas é algo pelo que vale a pena continuar se esforçando. Aliás, essa é uma posição que mantenho há algum tempo e escrevi algo próximo disso também no ano passado.

Este ano não tive tanta sorte na minha programação. Das minhas quatro opções, só um deu certo. Queria ver a volta do Ira!, cheguei quando o show já tinha começado e tinha tanta gente, que eu simplesmente não consegui ver o palco e ainda tive que ter paciência com o aperto e o empurra-empurra. Não tem jeito, melhor mesmo é ver os shows menos concorridos. Fomos ver o Riachão depois e aí estava bem melhor, com pouca gente deu pra curtir muito mais. Ontem (domingo) a ideia era ver O Terno e depois o Apanhador Só. Porém, depois de uma meia hora do início d'O Terno começou a chover muito forte e os dois shows acabaram não acontecendo. 

Acho que essa foi a 6ª ou 7ª virada da qual participei e posso dizer que nunca presenciei nenhum tipo de violência ou bate-boca (ano passado brincava com as pessoas dizendo que o maior desentendimento que vi foi um casal discutindo). Claro que estamos sujeitos a todo tipo de violência que a mídia adora noticiar a cada ano, mas espero que o medo não supere a vontade de fazer um evento à altura da grandeza de São Paulo.
Fazendo uma retrospectiva de cabeça, listo alguns dos bons shows que pude ver até hoje na Virada: Pato Fú, Plebe Rude, Inocentes, Garotos Podres, Ratos de Porão, Hermeto Pascoal, Mundo Livre S/A, Marcelo Camelo, Autoramas, Cachorro Grande, Lobão, Riachão, Mombojó, Lirinha, Vanguart. Mas tão interessante quanto ir com programação certa é andar meio que a esmo pelo centro e acabar vendo um monte de shows muito interessantes de músicos até então desconhecidos.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Algumas linhas sobre "O Passado"

Filme mais recente do diretor iraniano Asghar Farhadi, que ficou famoso por "Uma Separação " de 2010, que chegou a ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro (e que eu não vi).

Conta a história de um iraniano que vai para a França, a fim de formalizar seu divórcio com Marie, quatro anos depois de sua partida. Lá reencontra-se com a sua ex-mulher e as filhas dela (de um casamento anterior), Lucie e Lea e acaba conhecendo também o homem com quem Marie está envolvida, Samir, e seu filho, Fuad. O que começa como uma situação aparentemente sob controle (ainda que incomôda), vai se mostrando cada vez mais tensa e conflituosa.

É basicamente um grande drama familiar que se desvenda aos poucos, mostrando as relações dolorosas e cada vez mais complexas nas quais se inserem aqueles indivíduos. No começo sabemos muito pouco sobre as motivações de cada um e é muito lentamente que vamos entrando em contato (ainda que nunca totalmente) com aquelas pessoas. Como uma sombra, o passado a que remete o título afeta a todos de diferentes formas. A filha mais velha, Lucie, se opõe ao novo casamento da mãe e se mostra bastante arredia por algum motivo. A (ex) mulher de Samir está em coma, também por motivos desconhecidos de início. O próprio Ahmad se vê envolvido até o pescoço com os problemas da família que deixou pra trás, sendo que, inclusive sua situação com Marie se mostra um tanto quanto mal-resolvida. As camadas de complicações vão se sucedendo e se acumulando gradativamente e a história toda fica cada vez mais problemática e de difícil solução. As crianças, Lea e principalmente Fuad, são especialmente afetadas, ficam no meio de todas as brigas sem conseguir entender o que está acontecendo.

A atmosfera toda do filme é triste e pesada, mas sem nunca cair no melodramático ou no simplório. São pessoas normais, em suas vidas comuns, lidando com situações passíveis de acontecer com qualquer um. E acho que o que mais me prendeu à narrativa toda tenha sido justamente essa capacidade de se contar uma história dessas com muito equilíbrio e honestidade. Não cai na tentação de se facilitar tomando partido e definindo quem está certo e o errado, ou quem praticas boas ou más ações. São somente pessoas sendo pessoas, lidando com seus anseios, ciúmes, remorso, raiva, insegurança, da melhor forma que conseguem e por isso acabam, justamente por isso se machucando e machucando os outros a seu redor. Mas para mim é justamente dessa sensibilidade em captar a fragilidade humana que nasce a maior qualidade do filme.



sexta-feira, 9 de maio de 2014

de dois assuntos irrelevantes que se misturam...

vivo de repente uns picos inexplicáveis de felicidade. um frio na barriga, uma fúria de abocanhar o mundo. como se lá fora algo de muito bom estivesse me esperando e eu acabasse de ficar sabendo. fico ansioso, quero tudo! essa sensação (orgásmica!?) dura uns quinze segundos. logo passa e o que fica é a mesma indiferença morna de antes, por todo o corpo. a vida que pinga em conta gotas... de onde surge essa estranha felicidade? tento entender. parece que por alguns momentos tudo faz sentido e chego a conclusão que a vida é boa. não que não seja. é! só que pensando assim é só mais um pensamento estéril, acomodado. o que muda nesses quinze segundos, então? não sou nem mais nem menos do que no instante anterior ou no seguinte. sou o mesmo. um corvarde que faz da racionalidade escudo contra a dor da vida e que dessa forma se priva do êxtase. ou talvez um místico, que à sua própria maneira (tergiversando sempre!) suplica pela interseção do sobrenatural. continuo no ensaio, no rascunho, não crio coragem para gritar "valendo". não me arrisco muito, nem dou a cara a tapa. acabo sempre descrendo da cara e do tapa. não peça pra levar a sério. tenho vontade de rir quando vejo tanta gente se matando por esse algo a mais, pelo pote de ouro que eles acreditam que há no final do arco-íris. talvez o melhor mesmo seja somente crer no arco-íris.