sexta-feira, 15 de agosto de 2014

400 vezes eu mesmo

por 400 vezes eu, em pequenos gestos de pretensão, rompi meus entraves e meu rigor pessoal e cliquei em "publicar", após tergiversar longamente sobre qualquer assunto ou sobre assunto nenhum. uma espécie de "egotrip" que se tornou, para mim, o ato de escrever neste, assim chamado "carbono e amoníaco" (obrigado augusto!).

ainda que para um "público" virtualmente inexistente, o fato é que é sempre um tanto quanto difícil se "publicar", dizer "é isso aí o que eu tenho a oferecer". formatar, com início, meio e fim, toda uma necessidade de se expressar e aceitar as limitações inerentes ao processo (e inerente às palavras). expor o que se pensa (na verdade uma das versões, de muitas possíveis), ainda que perceptivelmente confuso, imaturo, sem talento. 

ato corajoso eu arriscaria dizer, já que é muito mais difícil lutar por causas que já se sabe perdidas (e despropositadas) desde o início e sei que, no meu, caso aquilo que escrevo é causa perdida. não pense, porém, que dramatizo à toa. também não é questão de auto-indulgência. acontece que adoro escrever sobre tudo quanto é possível (sobre 400 coisas diferentes!), ainda que tenha consciência da pequenez do meu ato e não desejaria que fosse diferente. gosto dessa escrita pequena, imperfeita, quase invisível, mas que de alguma forma reconheço como minha e ponho no mundo. crio novos limites, novas configurações para mim mesmo. ocupo o meu espaço, ainda que riduculamente (como não poderia deixar de ser...) com gostos, manias, desejos, opiniões, insatisfações...
pode parecer besteira (e é!), mas chegar ao número de 400 postagens neste espaço, ao longo de quase 7 anos tem lá sua relevância. conta-se uma história, acompanha-se uma trajetória banal, mas verdadeira. é o que eu tenho a oferecer, está tudo aí.

como mudamos em 400 notas! como continuamos tão iguais...

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Música para ler - MIS

Ontem, dia 12/08,  tive o privilégio de acompanhar no MIS um bate-papo divertidíssimo sobre música, ou melhor "música para ler" com três grandes jornalistas e escritores, André Forastieri, Ricardo Alexandre e André Barcinski para falar de seus livros sobre música e cultura pop nacional.

Os caras conhecem muito do assunto e contam histórias curiosas e hilárias sobre o cenário musical brasileiro dos últimos 30 ou 40 anos. Uma avalanche de informações interessantes num formato descontraído, que poderia muito bem ter acontecido numa mesa de bar. Análises sobre o mercado musical, relatos sobre artistas, opiniões sobre o que ainda está por vir, a trajetória de cada um enquanto jornalista, as lembranças pessoais de como a música influenciou cada um deles, enfim, muita coisa legal, que poderia ter durado mais uma hora ou duas.

Poderia destacar por exemplo, a história de um tal de "Os Carbonos", banda de estúdio entrevistada por Barcinski, que durante décadas gravou milhares de músicas para todo tipo de artista. Ou a história das "Melindrosas", grupo inventado de última hora (com a Gretchen e a Sula Miranda!) na esteira de sucesso de um disco lançado com músicas infantis em ritmo de discoteca e que, portanto, precisava ter uma cara (ou, no caso, três garotas bonitinhas) pra aparecer na televisão. Ou ainda o fenômeno dos "Secos e Molhados", que de forma totalmente inesperada, dada sua peculiaridade visual e musical em tempos de ditadura, vendeu centenas de milhares de discos para todo tipo de gente brasil afora. Enfim, são muitos causos que ajudam a entender o que foi e o que é fazer/vender/ouvir música no brasil.

Barcinski estava com o seu novíssimo "Pavões Misteriosos", que apesar de relativamente curto, contem muita coisa legal do período de 74 a 83. Pelo que ele falou, foram entrevistadas 65 pessoas, algumas delas até então relegadas ao ostracismo ou à ridicularização que a mídia sempre reservou praquilo que é popular. Ainda não li o livro (que comprei ontem), mas sou muito fã da maneira como ele escreve e acho que a iniciativa de um lançar livro sobre esse período foi ótima. Principalmente quando se tem noção da "furada" que é escrever livros num país sem leitores.

Não pude deixar de comprar também os livros do Forastieri, "O dia em que o rock morreu", e do Alexandre, "Cheguei bem a tempo de ver o palco desabar" (deste eu já li o ótimo e ambicioso "Dias de Luta", sobre o rock e a cultura nacional nos anos 80). A julgar pelo alto nível do papo de ontem, creio que os três serão ótimas leituras, sobre um tema que eu gosto muito, desde os meus 12 anos, quando comecei a me interessar por rock nacional e conheci o BRock, do Artur Dapiev.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

algumas linhas sobre "medianeras" (ou "a solidão e a cidade" - segunda parte)

dois solitários que se esbarram mas não se encontram, uma metrópole que sufoca e deprime, um mundo cada vez mais virtual e distanciado... esses são os elementos de "medianeras", filme sensacional que conheci quase por acaso. ainda que a principio seu subtítulo tenha me deixado com um pé atrás ("Buenos Aires na era do amor virtual"), ele é muito mais do que a comédia romântica que eu temia encontrar (ainda bem!).

é fácil se identificar com tema do filme. a interessantíssima apresentação que é feita sobre buenos aires ("cidade que vira as costas para seu rio") logo na abertura serviria para a maioria das grandes cidades contemporâneas. parte-se de uma reflexão sobre a arquitetura da cidade - cheia de prédios irregulares, erguidos a esmo, conferindo um aspecto caótico à paisagem urbana - para fazer refletir também sobre como as pessoas vivem nela e convivem entre si. ao mesmo tempo, vemos emergir uma sociabilidade virtual que nos promete muito mais interação e proximidade, ainda que, na prática, se revele um tanto quanto fria e superficial.

o enredo é cheio de boas sacadas e, ainda que de maneira muito leve, nos leva a pensar sobre como é estar no meio de tanto concreto e asfalto, sentindo-se aturdido e deslocado. as pessoas vivem em espaços apertados (em suas caixas de sapato escuras), amontoados e organizados como podem e mesmo dividindo espaço com milhões de habitantes estão cada vez mais isoladas e solitárias. nesse contexto a internet torna-se cada vez mais (oni)presente, substituindo em tudo quanto possível o convívio e o contato direto entre as pessoas (fios e cabos que servem pra nos apoximar ou nos manter cada um em seu lugar?).

nesse cenário um tanto quanto desolador, somos apresentados a Martin e Mariana, dois jovens que moram sozinhos em buenos aires. ele um webdesigner, um "fóbico em recuperação", ela uma arquiteta que trabalha como vitrinista, e que tenta lidar com o término de um relacionamento. ambos têm muita coisa em comum (e creio que com muitos de nós também), são um tanto quanto antissociais e têm suas próprias mania e limitações, o que oscila entre o trágico e o cômico. são dois deslocados na cidade em que vivem, tentando sobreviver a ela e às lembranças indesejáveis e a crônica falta de contato humano de que sofrem. até tentam se adequar e construir algum tipo de sociabilidade, ainda que virtual, mas não conseguem muito bem. continuam se sentido dois perdidos na busca de algo que não sabem bem o que é (e nisso a referência a "Onde está o Wally" é simplesmente genial). 

interessante perceber o quanto o espaço urbano afeta diretamente os personagens, sendo que seus sentimentos e humores estão ligados à maneira como se inserem nele. exemplo significativo nesse sentido é o quanto a entrada da luz do sol, a partir de uma janela irregular construída na medianera do prédio, muda perceptivelmente os ares des seus pequenos apartamentos e o próprio desenrolar de suas histórias.

por fim, o mais legal de tudo, é a competência em contar essa história de maneira tão agradável e bem humorada. Buenos Aires, Martin e Mariana são três protagonistas adoráveis (ainda que cheios de problemas) e algumas situações fazem rir justamente pela identificação que causam e por um sutil mas sempre presente toque de ironia.

tenho certeza que não consegui fazer jus ao filme, que é mais legal do que esses meus parágrafos. assistam que vale bastante a pena (tem no netflix e no youtube).

sábado, 2 de agosto de 2014

Dois excertos de "Verdade e Poder'

"O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma força produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir"

"(...) a verdade não existe fora do poder ou sem poder (...). A verdade é deste mundo, ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentadores de poder."

(FOUCAULT, M. Verdade e Poder in Microfísica do Poder.) 

Gosto da maneira perspicaz com que Foucault pensa os conceitos de poder e saber/ verdade e expõe o entrelaçamento entre ambos, no qual um depende do outro para se sustentar. Afinal, o poder, mais do que ser essa força repressora ou destruidora, se mantém pelo convencimento, pela atração e produz a verdade e a sustenta de maneira circular. Ou seja, não há uma verdade definitiva e anterior ao poder, ela é produzida neste mundo.