quarta-feira, 28 de julho de 2010


neste quarto de fogo[solitário]
no telhado um letreiro
[esfumaçado ]
candeeiro no peito
[iluminado]
o cigarro no dedo
[incendiário]
o cinzeiro esperando
[comentário]
da palavra carvão
[fogo de vela]
meus dois olhos pregados
[na janela]
vendo a hora ela entrar
[nessa cidade]
tô fumando o cigarro
[da saudade]
e a fumaça escrevendo
[o nome dela!
]



(quando o sono não chegar)

_______________________

"eu vou casar com a saudade, numa madrugada fria"

sexta-feira, 23 de julho de 2010

acérrimo

talvez eu volte em seguida, logo após os créditos finais, para provar o quanto eu estou certo. e dessa não será blefe ou "exercício criativo". não haverá um sorriso debochado no meu rosto ou uma caneta na minha mão.

não me questionarei, nem esperarei você surgir para distorcer o que eu digo. e pouco me importa, por enquanto, ser infantil e ridículo. basta que eu te faça sentir o peso das minhas certezas (são fardos!). das minhas dúvidas e divagações (leves, flutuantes...) você já sabe há tempos e não me espanta que tenha rido de muitas delas...

não é minha intenção iludir, mas sou eu que estou em jogo! e sendo assim preciso deixar as mesuras e os bons costumes de lado. não há opção...


tampouco estou preocupado em ser justo, correto, ponderado ou em dar mostras das minhas virtudes. não é hora para isso! basta que eu saiba e você saiba que estou certo, desesperadamente certo e que isso faz toda diferença.

necessito da certeza como quem, faminto, só quer um pouco de comida. como quem procura um afago, um abrigo, como quem busca a si próprio ou a deus.

porque só assim eu vou poder olhar de novo nos seus olhos (e no das pessoas a nossa volta), vou me sentir redimido e renovado. vou voltar a crer em mim.

porque eu cansei de dar de ombros sobre o que eu penso. cansei de me relativizar para ficar mais perto de você e de suas ideias medíocres. sei bem, claro, são tão medíocres quanto as minhas. acontece que dessa vez eu vou tentar salvar só a minha pele. carregarei somente a minha mediocridade e que cada um de nós carregue a sua... e se você por ventura ainda quiser me jogar coisas na cara, quem vai achar graça sou eu (''nada me prender a nada").

pelo menos hoje, agora, em relação a este assunto, eu sei que estou certo e você não.
__________________________

segunda-feira, 19 de julho de 2010

"devaneio esferográfico"

Preciso reduzir seu corpo à tinta preta.
Preciso te escancarar, vulnerável, nesta folha.
Vomitá-la, frágil, ordinária da minha caneta
Falsificar-te, amassar-te, jogar-te fora
Simples mancha, bolha, ideia abstrata

Preciso torná-la um rascunho, um despropósito!
Reduzir seus membros à minha caligrafia
Descuidada nas linhas de um caderno velho.
Inventar-te com começo, meio e fim,
Mera ficção. Errar-te, escrever de novo...

Caso contrário você surge enorme do meu subconsciente
Com muitas pernas, muitos braços, olhos e bocas grandes
E me amedronta e me ridiculariza.
Toma conta das minhas roupas, das minhas desculpas,
Desaba um céu sujo e encarnado sob meus ombros,
Impregna a matéria sólida e densa dos meus sonhos.

(Meus deus! seu sorriso ganha vida e ri sozinho e seus dentes me mastigam e me cospem fora e pensar em algo se torna pensar somente em você e nem pensar posso mais, posto que é você que passa a pensar meus próprios pensamentos!)

(Ituverava - 05/2010)
________________________________
"No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha"
(Ferreira Gullar)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

nota

"Já não me entendo mais. Meu subconsciente
Me serve angústia em vez de fantasia (...)"


(Mal sem Mudança/ Manuel Bandeira)
________________________________

é, mas fora isso a vida é boa.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O INFERNO

começa pelo olho, mas em breve é tudo. Uma poeira que cai ou rebenta nas superfícies. Se tivesse certeza de que ao fim destas palavras meu corpo rolasse fulminado, eu faria delas o que elas devem ser, eu as conduziria a sua última ignição, eu concluiria o ciclo de seu tempo, levaria ao fim o impulso inicial estagnado nesta aridez utilitária em cujo púcaro as forças se destroem. Ou não faria. Não faria: uma vileza inata a meu ser trai em seu fulcro todo movimento para fora de mim: porque este é um tempo meu, e eu sou a fome e o alimento de meu cansaço: e eu sou esse cansaço comendo o meu peito. Porque eu sou só o clarão desta carnificina, o halo deste espetáculo da ideia. Sou a força contra essa imobilidade e o fogo obscuro minando com a sua língua a fonte dessa força. Estamos no reino da palavra, e tudo que aqui sopra é verbo, e uma solidão irremissível,

(Ferreira Gullar)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

feérico

"é claro que a vida é boa". tal pensamento, aparentemente sussurrado em seu ouvido, tomou conta de todo o seu corpo, como num arrepio, enquanto ela lentamente despertava do envolvente feitiço daquele final de tarde. por quanto tempo havia dormido? realmente acordara? pois tudo parecia muito mais leve, como num sonho. ela mesmo sentia-se flutuar, apesar de ainda sonolenta.


não pensou em mais nada. ergueu-se com vigor e o chão se desfez em movimentos ondulantes sob seus pés. não se importou com os objetos que dançavam coloridos à sua volta, apenas tomou o cuidado de não esbarrar neles. com seus passos lépidos e os braços soltos, ela também dançava, envolvida que estava naquele quase escuro de início de noite. tudo era um grande abraço e podia sentir as carícias daquela atmosfera etérea. tocava uma música muito bonita ao longe, mas ela escutava atenta e cantarolava sua melodia. apertou os lábios num sorriso suave. como era serena sua satisfação. sentia-se feliz e nem sabia o porquê.