terça-feira, 30 de março de 2010

sobre homens e medos de verdade

"uma lembrança de mãos dadas, de casal que anda de mãos dadas pela praia na chuva, um filme
velho gravado numa fita cassete, um olhar para o mundo dentro da roda gigante...
"o homem de verdade atravessa tudo isso aguardando a solidão sem medo, que nem o moleque
cruza os olhos para aquela janela e nunca mais vê aquela garota."


queria ser esse homem de verdade. aguardar serenamente, sem medo, a solidão que cedo ou tarde chega. dizer a ela de peito aberto: "vem! te aceito como companheira". sentir as areias do tempo escorrendo pelas minhas mãos e rir cinicamente. achar graça de todo desespero...

bom seria que o sol, grave e pesado, caísse no horizonte abissal e levasse consigo os meus sonhos e pesadelos, angústias e desejos, me deixasse vazio e completo e que eu pudesse, assim, dormir um sono tão pesado e tranquilo como há muito não faço.

queria poder brindar ao dia em que estaremos todos mortos. ou antes, a cada dia em que as lembranças pesam tanto a ponto que preferiríamos não ter nascidos. que eu olhasse as coisa com a certeza de já estarem mortas, calidamente descansando a minha volta e achasse isso bonito e natural. sorriria então de copo erguido e beberia à larga. saudaria sua ausência como se fosse a melhor que eu pudesse ter.

não tenho medo da solidão. tenho medo que a lembrança e a saudade (da vida que tive ou não) penetrem cada poro do meu corpo, me sufoquem de tal forma que eu lamente a vida.
que eu renegue a vida!
que eu não seja homem de verdade...

quarta-feira, 24 de março de 2010

pequena nota (de hoje e da vida inteira)

que estranho...
até ontem essa parecia ser uma grande ideia, a melhor delas. mas hoje, confesso que me senti meio ridículo ao repassá-la mentalmente... e por isso hesitei por um momento. sempre fui muito melhor pensando do que agindo.

tudo bem, por outro lado, acho que já é hora de escancarar meu telhado de vidro, encarar com naturalidade as pedras que vez ou outra venha a acertá-lo. afinal, se não fosse assim como haveria de ser?

comentário preliminar sobre a condição humana

andei pensando...

o que mais me instiga nos seres humanos é sua capacidade de criar o mundo a sua volta, que, ao mesmo tempo, é o que os cria. viver através dele e acreditá-lo de tal forma que por ele pode-se morrer e matar.

o espaço de tempo que há entre o nascimento e a morte de cada um é repleto de uma construção de si mesmo e do que o cerca, por si próprio e por seus semelhantes. construímos o mundo, ao passo que somos construídos por ele... só tomamos forma através desse processo, evidente, constante e inescapável, mas pouco colocado em evidência.

não sei se consigo me fazer entender, mas é uma ideia até que simples, que me chama a atenção quando observo a "ilusão" (na falta de palavra melhor) que tomamos para nós. valores e padrões culturais, crenças, símbolos e ideologias, uma densa e complexa rede que nos une uns aos outros e até a nós mesmos. "nós mesmos"!? quem é "nós mesmos", senão uma construção social, um "falseamento" (na medida em que é artificial, por assim dizer)? como você se definiria se não fosse em termos coletivos?

o que além desse conjunto de símbolos e crenças compartilhadas nos impõe, por exemplo, que devemos tratar certas pessoas de determinada maneira? que devemos fazer isso ou aquilo num certo momento? ou nos prescreve certos tabus, coisas que nunca devemos fazer [sob a pena, inclusive, de deixarmos de sermos humanos]. os exemplos são infinitos. e o pior [ou não]: não há solução, porque esse tipo de trama nos constrói enquanto a construimos, de modo que se torna impossível pensá-la que não em seus termos... talvez só isso já exponha nossa extrema limitação (pelo menos em termos absolutos, enquanto seres que se acreditam "no topo", mas estão nele na medida em que são eles próprios que determinam a escala).

o poder, por exemplo. uma pessoa pode ter o direito de decidir sobre o destino de milhões de outras e o que espanta é que isso surge de lugar nenhum! ou melhor, surge, mas esse lugar é intrisecamente o mesmo lugar que cabe ao seres humanos. não há nada além (externo ao mundo) que torne aquele indivíduo melhor que os outros, enquanto ser humano, mas o fato é que acaba sendo considerado superior, agrega em suas mãos prerrogativas negadas aos outros em geral. o que efetivamente impele uma população a seguir suas ordens, temê-lo, admirá-lo, etc? não há nada, nada além exatamente daquilo que criamos para nós. dizemos a nós mesmos que aquele é o presidente, o rei, o marechal, o papa, o juiz e ao mesmo tempo reforçamos o que dizemos por nossos atos. cada um de nós só é o que é porque todos os outros acreditam e compartilham aquela crença. contamos uma "mentira" e ao mesmo tempo a vivenciamos para torná-la real.

tirando nossas características essencialmente fisiológicas, de seres constituídos de materia, não há nada além que seja externo a nós (enquanto "grupo", outra dessas criações e enquanto indíviduo pertencente a esse grupo). talvez a "alma", mas se temos todos, porque cria-se diferenças? ainda assim é extremamente difícil, para não dizer impossível, separar até mesmo nosso aspecto "animal"/ biológico do de ser humano, individuo, pessoa, etc, já que a própria forma como passamos a conhecer TUDO o que nos apresenta é marcada pela nossa consciência humana. isso fica muito evidente quando paramos para pensar na própria linguagem e como entrar em contato com o que nos cerca (e principalmente partilhar com os outros) só é possível através disso.

todos nós nascemos, crescemos e morremos, sempre presenciando o funcionamento de nosso corpo e a suas diversas mudanças. mas até isso não é indepedente desse universo simbólico extremamente amplo e profundo no qual nos inserimos. quantas formas há para nascer e para morrer? esse dois acontecimentos estão também totalmente carregados de sentidos diversos, de crenças e tradições, por mais elementar e biológico que sejam.

chego até a concluir que fora dessa surrealidade não há nada, somente o caos e a ausência total de sentido e ordem. podemos e devemos, portanto, questionar o mundo e a forma como as coisas se colocam. não há nada acima disso. uma série de comportamentos e signos sociais tidos como naturais tem origem e finalidade social. não estiveram sempre lá, à espera de pessoas que os colocassem em prática.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Complicado,
Sou e sou feliz
E ao meu lado você me faz tão bem
E essa vida de empecilhos tão banais
Faz-me pensar que até somos normais
Mas não pense que a loucura ou timidez que me envolve
É tão complicada assim.
Levo a vida como vida que tem fim
Se duvida, então olhe bem pra mim.

Não sei mais o que pensar quanto à vida ou à você
Nesse mundo que é imenso e vazio
Não sei mais o que dizer sobre histórias de amor
Todos dizem sempre a mesma coisa
Vou deixar tudo passar como se não fosse meu,
Mas de alguém desse mundo tão raso.


(complicado/ os maccacos)
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sim, ultimamente tenho ouvido bastante música.
mais que isso, tenho tomado elas pra mim como algo pessoal, que batesse no íntimo, como há algum tempo não fazia...

gosto bastante dessa banda quase desconhecida e me surpreendo por eles não serem mais conhecidos (e por fazerem tão poucos shows).
essa música é do segundo cd, que é menos legal que o primeiro, mas que ainda assim traz gratas surpresas e essa é uma delas.
bom, pulemos os comentários. se puderem ouçam, acho que vale a pena.

[não sei mais o que dizer quanto à vida ou à você]

quinta-feira, 18 de março de 2010

Chorei como criança perdida da mão da mãe no Centro

Achei que o mundo fosse acabar

Não há nada pra temer, eu sei

O problema é botar isso na cabeça dura que não entra nada

Ah...se as pessoas viessem com manual de instruções!


(superguidis)
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mas o mundo não acaba e as pessoas continuam sendo um mistério...

quarta-feira, 17 de março de 2010

A náusea me faz vomitar o que eu penso
A febre me ajuda a perder o bom senso
O delírio me inspira as palavras mais certas
O instinto mantém minhas veias abertas

Não há tratamento pra minha patologia
O que não me mata eu transformo em poesia

A dor me obriga a abraçar os espinhos
O cansaço me leva a seguir meu caminho

Não há tratamento pra minha patologia
O que não me mata eu transformo em poesia

(náusea/ lestics)
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gosto bastante dessa banda, que descobri há uns anos atrás nem lembro exatamente como (sei que foi pela internet). poderia citar diversas diversas outras músicas deles, que no geral são muito boas, (conseguem conciliar um instrumental bem legal com letras inspiradas e inteligentes), mas optei por essa por tratar de um assunto interessante e por eu achar especialmente bonita (ouçam, se possível, apesar de haver sempre a barreira dos gostos).

[ainda que deva salientar que ela se atém a um ritmo lento e arrastado, o que, apesr de tudo, contribui para criar um clima na música, e em nos fazer sentir exatamente o desconforto/ angústia de que fala a letra, como uma cena que se desenvolve em câmera lenta]

o processo criativo é, antes de tudo, retratado como uma maneira de dar vazão às angústias da vida e encontra correspondência com reações/ sensações do corpo, no geral atordoantes e dolorosas. não é um processo racional, mas antes uma necessidade, quase um espamo, uma reação que se dá diante das circunstâncias da vida e que por vezes se confunde às reações fisiológicas mais deconfortáveis. cria-se porque vive-se e porque viver (muitas vezes) dói. ambos são intrísecos e não se pode ser artista antes de viver e sentir. não é algo espontâneo ou uma atividade tranquila. surge a partir da necessidade de se "transformar aquilo que não mata em poesia".

vomita-se o que se pensa e é o delírio e não a razão o que possibilita que se chegue às "palavras mais certas". iguala-se, portanto, o ato de criar à reações corporais. não é exatamente uma escolha, assim como não o são a náusea, a febre ou o delírio. todas essas coisas nascem de uma mesma fonte. talvez opte-se por transformar ou não aquilo que quase mata em "poesia" (ou música, ou qualquer outra coisa), como uma forma de alívio, mas ainda assim é algo que está latente, a espera de uma forma própria.

gosto dessa ideia de que a expressão "artística" (sempre num sentido amplo, por favor) surge mais como uma necessidade, um impulso do que pela técnica ou trabalho árduo (à moda parnasiana). talvez com esses dois consiga-se um maior controle sobre as ferramentas disponíveis para a criação (sei lá, um cara que estudou 10 anos de um instrumento saberá tocá-lo melhor do que alguém que saiba somente o básico), mas não necessariamente o produto final, a música, será melhor ou mais autêntica (no sentido de expressar melhor os sentimentos). claro que isso é só um lado da questão, mas pra mim é o lado mais sublime.

segunda-feira, 15 de março de 2010

sou carioca. pelo menos é o que está escrito no meu rg e certidão de nascimento. porém, nada me soa mais estranho do que aquele "Rio de Janeiro - RJ", que hora ou outra coloco em fichas e cadastros .

me mudei pequeno o suficiente para não ter nenhuma lembrança de lá e as vezes em que voltei foi mais na condição de visita (até porque parentes lá é o que não me falta) e mais ainda uma visita tipicamente paulista, com a já tradicional tiração de sarro de que são alvo os que falam "bolacha" ao invés de "bixcoito" e que arrastam o "erre" e passam batido pelo "esse". e outra, até pela rivalidade entre os dois estados, paulista é tipo como bobão por lá.
enfim, me sinto um legítimo paulistano e ao falar isso me lembro da frase de Nelson Rodrigues: "a companhia de um paulista é o pior tipo de solidão" (ou algo que o valha). sim, somos mais fechados mesmo, há um maior distanciamento, que, na impossibilidade de ser físico, se torna moral/ espiritual. na multidão evitamos o contato e a troca de olhares. mundos que não se tocam.

ainda assim, e aparte a importância que eu dê para os relações que se estabelecem entre as pessoas, não posso negar que me sinto socializado nesse ambiente "tipicamente paulistano". sou uma pessoa um tanto quanto reservada e que vez ou outra aprecia a "solidão da multidão". me identifico com as particularidades dessa cidade louca e se às vezes (sempre!) a crítico é por me sentir inserido o suficiente para expressar minha opinião.

é, acho que sou paulistano.

[apesar de isso às vezes me irritar]

sexta-feira, 12 de março de 2010

desencanto

"flor de perfume raro e de esquisito encanto,
ela zomba dos que (pobre deles!) sem cor
vão-lhe aos pés ajoelhar ingenuamente... enquanto
alguém não lhe magoar a boca de veludo...
e não a fizer ver, por si, que isso de amor
no fundo é amargo e triste e dói mais que tudo"

(mancha/ manuel bandeira)

"a vida é amarga. o amor, um pobre gozo...
hás de amar e sofrer incompreendido,
triste lírio franzino, inquieto, ansioso,
frágil e dolorido..."

(imagem/ manuel bandeira)
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sim, nos últimos dias voltei a folhear manuel bandeira.
reler seus poemas pela terceira ou quarta vez.
apreciar o cheiro de coisa antiga (como se já fizesse parte de mim) ao mesmo tempo em que me surpreende o ar de novidade (afinal hoje eu sou outro).

logo em seu segundo poema ("desencanto") o autor adverte: "(...) fecha meu livro, se por agora/ não tens motivo nenhum de pranto (...)". e então tive certeza, manuel, de que eu deveria passar às páginas seguintes.

terça-feira, 9 de março de 2010

Passávamos todo o dia deitados em uma cama
O tempo, maldita adaga, lambendo nossos pés
[Ela]Brilhava, era uma estrela
Nunca fazia nada
Depois disse que me amava
E se cortou outra vez
Sangrou, sangrou, sangrou
E sorria como louca
Não existe luz nem força viva tão poderosa
De todas elas, ela foi minha frase mais preciosa
Todo o seu corpo com espinhos a mim só sobraram moscas.


(Polaroid)
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a mim só sobraram moscas...

segunda-feira, 8 de março de 2010

minha querida,
somos do tempo em que as bicicletas voavam
e o céu era vermelho, da cor das flores aqui de baixo.
lembro que gostava de ficar deitado na grama a brincar de achar desenho em nuvens.
eram muitas, uma infinidade de formatos.

somos do tempo em que o "tempo" era só uma abstração,
uma contabilidade mau feita e ranzinza de cada batida de coração,
um par de ponteiros sem propósito.
minhas horas, na verdade, eram medidas em centímetros
em cheiros
(se eu pudesse era o que eu mais desejaria ter pra sempre),
em risadas,
na eterna adivinhação do presente.

agora,
tudo o que tenho é um livro de apontamentos
e só o que posso é ser descritivo
tentar capturar o momento,
o topor...
mas as ruas escuras não cabem,
não cabem o sal, nem o mar.

não me admira que esteja de partida
sei que você deseja voltar para aquele lugar
se eu soubesse como, juro que te levaria.
também fui jogado aqui antes que desse por mim...


nos seus sonhos você continua a andar em bicicletas voadoras.