sexta-feira, 27 de abril de 2012

Escrevendo

"Não me lembro mais onde tudo começou, foi por assim dizer escrito todo ao mesmo tempo. Tudo estava ali, ou devia estar, como no espaço-temporal de um piano aberto, nas teclas simultâneas do piano. Escrevi procurando com muita atenção o que se estava organizando em mim e que só depois da quinta paciente cópia é que passei a perceber. Meu receio era de que, por impaciência com a lentidão que tenho em me compreender, eu estivesse apressando antes da hora um sentido.(...) Se eu pudesse escrever por intermédio de desenhar na madeira ou de alisar uma cabeça de menino ou de passear pelo campo, jamais teria entado pelo caminho da palavra."

LISPECTOR, Clarice. Para Não Esquecer, pág. 122-123. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1999.

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e ainda: "a certeza só aparentemente paradoxal de que o que atrapalha ao escrever é ter de usar palavras".

...porque é assim mesmo. se aventurar "a vestir uma ideia com palavras" é tarefa incerta, mania cansativa e frustrante. as palavras são tão poucas (5 milhões, digamos), enquanto há um infinito (infinito e meio) a se dizer por meio delas.
as teclas de um piano são todas, os dedos a tocarem-nas são tão poucos, que eu só posso tocar uma canção por vez...


[é que a clarice tocou nesse assunto e eu fiquei a pensar nele...]

segunda-feira, 23 de abril de 2012

tava aqui pensando...

A cidade de São Paulo é uma aberração com uma frota de mais de 7 milhões de veículos para 11 milhões de pessoas, ou seja, dois carros para levar três pessoas! É estarrecedora a quantidade de pessoas que trafegam sozinhas em seus carros diariamente (e mais incrível ainda é elas acharem ruim o trânsito caótico que elas mesmas criam!). A classe média ignorante toda feliz dentro de seu carro financiado indo trabalhar pra comprar gasolina e pagar o boleto. opa, eu disse feliz? não, não... é impossível dirigir em são paulo e ser feliz ao mesmo tempo.

Fala-se tanto em saúde pública (em incentivar as pessoas a pararem de fumar, por exemplo), mas NUNCA vi nenhuma campanha efetiva incentivando as pessoas a usarem menos seus carros, sendo que o automóvel é muito mais prejudicial à coletividade que um cigarros. Pelo contrário, comprar carro aquece a economia, gera empregos, desenvolve o país... esse é o argumento mais nojento, burro e cínico que eu conheço. Se formos por esse lado nada pode ser digno de contestação, já que tudo que é comercializado faz a economia girar (de pirulitos a pedras de crack).

Milhares e milhares de quilômetros de vias públicas são subutilizadas pelo transporte individual e parece ser a coisa mais normal do mundo. A cidade não é do cidadão (que geralmente se espreme na calçada), é do carro, para ele passar, o mais depressa possível. Esses milhões de carros cospem diariamente toneladas de fumaça na cara de cada paulistano e achamos normal vivermos no lixão... Agora, fumarem do nosso lado? ah, isso não! Isso faz mal à saúde, isso é nojento. Lotar uma rua de milhares de pessoas fazendo uma passeata é um absurdo, um desrespeito à ordem, mas se esquecem que a rua é de todos e todos têm o direito de usá-la. Ninguém é especial porque se esconde dentro de uma caixa de ferro de uma tonelada. Acredite o sonho dourado de desfilar por ruas quase vazias com seu seu belo automóvel simplesmente não existe, enganaram você no comercial da tv...
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"A justificativa para a construção de novas ruas e estradas normalmente é a redução dos congestionamentos. Mas isso simplesmente não funciona. O aumento dos carros leva à construção de mais estradas e ruas, que por sua vez levam ao aumento do uso dos carros".

"Por que existe tão pouco espaço em nossas cidades onde as pessoas possam relaxar e interagir, livres do incessante comprar e vender da vida comum? Por que as pessoas são forçadas a organizar suas vidas em torno da posse de um carro".


LUDD, Ned (Organização). Apocalipse Motorizado: A tirania do automóvel em um planeta poluído.São Paulo, Ed. Conrad, 2004.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

"o ctb [código brasileiro de trânsito] determina que na ausência de ciclovia, ciclofaixa ou acostamento transitável a preferência é do ciclista, e que os veículos  automotores devem reduzir a velocidade de forma compatível com a segurança no trânsito para ultrapassá-lo, além de guardar distância lateral de um metro e meio durante a ultrapassagem. mas no dia-a-dia os ciclistas que circulam nas ruas são vistos como intrusos pelos motoristas, por jornalistas arrogantes e desinformados e pela própria polícia. na nossa cultura, a rua está para o carro assim como o mar está para o peixe. a bicicleta é vista como um corpo estranho."

LUDD, Ned (Organização). Apocalipse Motorizado: A tirania do automóvel em um planeta poluído, pág. 128. São Paulo, Ed. Conrad, 2004.
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e o mais espantoso é que a gente nunca se questiona se realmente são esses os peixes que gostaríamos de ver nadando em nosso mar...