segunda-feira, 30 de junho de 2008

Água
liquido que mata a sede
agora matando
matando-me
matando o que me mata
afogando em sal aquilo que nem sei sentir

(anônimo)
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Pior afogar ou ver afogar?

sexta-feira, 27 de junho de 2008

sobre quando há mais aqui do que lá

quero,
se é de mim poder querer,
não te amar.

que seja menos sombra
e que não seja idéia,
que não me dê medo
(nem de ganhar, nem de perder)
que seja simples...

seja você minha pequena ternura,
coisa simples
de guardar no meio de um caderno
e de pegar nas mãos.

simples como flor que nasce no asfalto,
despudoradamente no asfalto!

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eu juro que tentei evitar...
(mentira!)


a flor que nasce no asfalto?

sexta-feira, 20 de junho de 2008

sobre quando há mais lá do que aqui:

Cai aqui estrela da manhã,
Cai no meu colchão.
Ouve meus segredos, minha lamentação
E me conta o que te fez brilhar pr'além da noite.
Me conte as coisas lá de fora que eu não sei.

É tão só e isso lhe cai bem,
Não queira nunca alguém
Que diga lhe amar.
Te prefiro assim tão fria, tão distante a brilhar
Por ninguém...
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ela gosta,
ela sabe
(eu não sei)...

domingo, 15 de junho de 2008

À Mesa

Cedo à sofreguidão do estômago. É a hora

De comer. Coisa hedionda! Corro. É agora,

Antegozando a ensaguentada presa,

Rodeado pelas moscas repugnantes,

Para comer meus próprios semelhantes

Eis-me sentado à mesa!



Como porções de carne morta... Ai! Como

Os que, como eu, têm carne, com este assomo

Que a espécie humana em comer carne tem!...

Como! E pois que a Razão me não reprime,

Possa a terra vingar-se do meu crime

Comendo-me também.



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Alimentar-me de outros seres, outros seres que um dia se alimentarão de mim...

sábado, 14 de junho de 2008

...daí eu te odeio um pouco. ódio em forma de besteiras e ironias. e você simplesmente não acredita em mim, pensa que sou sempre a falsificação dos meu próprios defeitos. ledo engano minha cara... sou tão sincero quanto evito ser e a acidez de cada frase vem na medida certa, pra desconsertar seus mitos e te fazer estranhamente insana. e você não crê (nunca!) em mim, como se eu fosse seu quinhão com nariz de palhaço.
mas eu te leio nas entrelinhas e me amedronto com o que descubro. o que vai ser usado contra você e o que volta para mim.
tirando isso, te dou minha vida.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

sobre o que está escrito e o que está borrado

não falo mais das coisas, mas da falta que elas fazem...
poderia haver aqui qualquer uma que me lembrasse de mim mesmo, algo além desse espelho, que só repete. não questiona, nem duvida, só reflete minha falta de jeito pro que é inesperado.
e o seu cheiro, por melhor que seja é velho. tão passível à minha frente. quase não tem vontade própria. aí te leio do meu jeito e me fascino (sozinho) com a vida apagada, perdida, remendada que encontro dentro e fora. nas tuas linhas e no meu reflexo...
e o estranho é que eu me importe tão pouco com o que você pensa.



por outro lado penso eu que bom seria entrar na sua casa e te matar sufocado com seu próprio travesseiro.



que pena! não quebro cadeados e não sei pular janelas

Psicologia de um Vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boda uma ânsia, análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Anjos, Augusto dos)

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Agrada-me a força e a obscuridão que impregna seus versos, como se cada um deles fosse de ferro e doesse de verdade em contato com os olhos. A visão desiludida com que representa o mundo, em sua frieza orgânica e a implacável mecanicidade com que tudo perece, ausente qualquer encanto. Irrita-me supor que esteja certo e que tudo não seja nada além do que há de repulsivo nessa terra, que minha carne seja menos (muito menos!) do que me faz crer a ingenuidade que me persegue. Que minha psicologia seja a de um vencido e que sobrará de mim apenas os cabelos.

sábado, 7 de junho de 2008

mataram-me de novo ontem.
e eu, como bom defunto, morri.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

e eu...

"No exercício monótono, monotemático, monoteísta da minha vida eu sou mesmo um sadomasoquista"

(Sadô-Masô/ Movéis Coloniais de Acaju)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Antologia

A vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.
Os corpos se entendem, mas as almas não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Vou me embora pr'a Pasárgada!
Aqui eu não sou feliz.
Quero esquecer tudo:
A dor de ser homem...
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.

Quero descansar
Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei...
Na vida inteira que podia ter sido e não foi.

Quero descansar.
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
(Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir.)

Quando a Indesejada das gentes chegar
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa.
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

(BANDEIRA, Manuel)

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Toquemos então um tango argentino, Manuel!