segunda-feira, 16 de novembro de 2015

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Dacnomania

vem cá, te explico
cada dente é um argumento,
torto e dolorido,
que tua pele escuta atenta.
incisivo, te convenço
canino, te convido

conto, na mordida,
da fome por tua vida
te faço presa, rio,
num blefe, te desafio
no jogo que não venço
com regras que não sigo

mastigo o teu disfarce
por esporte e por instinto
cuspo o teu discurso
de metal enferrujado
só me interessa o frágil frêmito
da razão abocanhada





quarta-feira, 12 de agosto de 2015

sobre os incovenientes da linguagem...

"Não sei o que estou dizendo, tudo se suja quando digo..."

(Júlio Cortázar)
___________
(e se eu continuasse, sujaria ainda mais e mais)

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Algumas linhas sobre "O Último Poema do Rinoceronte"


Esteticamente lindo e envolvente, "o último poema do rinoceronte" baseia-se na vida do poeta curdo-iraniano Sadegh Kamangar que, quando da Revolução Iraniana de 1979 (que implicou na derrubada do xá e na tomada de poder pelo aitolá Khomeini) foi injustamente preso, acusado de escrever poemas de cunho político e condenado a longos anos de cárcere, tendo sido inclusive declarado morto para sua família. 

O foco da história é Sadegh Kamangar já liberto, 30 anos depois, quando vai em busca de sua esposa e descobre que ela se casou novamente e saiu do país, indo para Turquia. Os acontecimentos do passado e seus desdobramentos vão sendo revelados pouco a pouco, através de suas lembranças, que se alternam com o tempo presente. Além disso, o filme conta com construções visuais belíssimas que retratam cenários vazios e cores esmaecidas, que transbordam a poesia de Kamangar para a tela.

É um filme essencialmente triste. O próprio protagonista parece carregar em seu rosto as marcas e o peso do passado dos quais ele não parece ser capaz de se livrar. Não há salvação possível e a própria felicidade se coloca como algo que ficou distante, perdido no passado.

Já tinha tido algum contato com esse contexto histórico (da Revolução Iraniana) com a HQ e o filme de "Persépolis", então achei ainda mais interessante o tema, principalmente pela delicadeza com que são abordados os dramas pessoais que surgem a partir de acontecimentos políticos. É aterrador pensar em quantas vidas são destroçadas por conta de diferenças ideológicas e lutas pelos poder.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Uma coisa sobre Victor Hugo

"Pensar no prolongamento das coisas defuntas e no governo dos homens por embalsamamento, restaurar os dogmas em mau estado, tornar a dourar a caixa de relíquias, renovar os claustros, tornar a benzer relicários, reviver as superstições, reabastecer o fanatismo, colocar novos cabos nos sabres e nos aspersórios, reconstituir o monaquismo e o militarismo, crer na salvação da sociedade pela multiplicação dos parasitas, impor o passado ao presente, tudo isso parece estranho. No entanto, há teóricos para essas teorias. Esses teóricos, aliás pessoas de espírito, têm um procedimento bem simples, aplicam ao passado um reboco a que dão o nome de ordem social, direito divino, moral, família, respeito pelos antepassados, autoridade antiga, tradição santa, legitimidade, religião; e vão gritando: 'Vejam! Tomem isso, homens de bem!'. Essa lógica também era conhecida dos antigos. Cobriam de cal uma novilha preta, e diziam: "É branca"."

(HUGO, Victor; Os Miseráveis, p. 557)
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Impressionante como Victor Hugo escreveu essas linhas há mais de 150 anos e se encaixam PERFEITAMENTE na nossa realidade! Em pleno ano de 2015 (não que isso faça muita diferença) vemos crescer de maneira generalizada os brados acalorados pelo militarismo e, se não pelo monaquismo (vida em retiro, totalmente consagrada a Deus no silêncio, na penitência e no trabalho), pelo menos por algum tipo muito peculiar e ferrenho de "religiosidade" que tem na bancada evangélica do congresso nacional a sua mais alta e perigosa representação. Há uma tentativa recorrente e cada vez mais forte de se "impor o passado ao presente". Temos lido sobre isso quase todos os dias nas páginas que cobrem a política e o comportamente e não há nenhuma previsão de melhora.
Ainda mais certeira é a maneira como Victor Hugo analisa o procedimento desses "teóricos", que aplicam ao passado um reboco a que chamam de ORDEM SOCIAL, MORAL, FAMÍLIA, DIREITO DIVINO, exatamente como é feito hoje em dia. Depois vendem esse passado para o indignado "homem de bem", que sedento por "tornar a dourar a caixa de relíquias", atribui os males do mundo ao distanciamento de valores que se perderam. Defendem que "bom era antigamente" e clamam por mais moral, por mais família, por mais direito divino. Pegue qualquer um desses assuntos relevantes e polêmicos da atualidade (homofobia, aborto, tolerância religiosa, maioridade penal, descriminalização das drogas...) e constate que eles estão, afinal, pautados pelos "teóricos das coisas defuntas" através das ideologias citadas acima e de um tempo pra cá isso tem se tornado ainda mais perceptível e preocupante.


quarta-feira, 17 de junho de 2015

Sozinhos somos...

Com tanta delicadeza
Reordena minhas ideias
Muda a ordem dos capítulos
Me relê de trás pra frente

Traz sentido para as partes em que nem eu me entendo
Traz leveza para as tardes em que nem eu me suporto, não.

Há um risco inerente
Nesses corpos que se chocam
Mas você tira de letra
E corrige a minha rota

Talvez eu me perca no argumento
Ou descubra o infinito

Num rascunho inacabado de uma noite de novembro
Na obra definitiva que ainda não escrevemos, não, não...

Deixa o sim sair, assim, sereno.
O céu é seu, é o sol surgindo
Sei não há saudade que resista
Sozinhos somos a multidão

Tem aqui.
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Porque "trás pra frente" pode acabar sendo a ordem certa.
E entre o rascunho e a obra definitiva a gente vai perdendo os argumentos e descubrindo o infinito...

sábado, 13 de junho de 2015

Uma coisa sobre Arthur Schopenhauer

"Ele [Schopenhauer] entendeu que se pudermos reconhecer que nossa separação do universo é essencialmente uma ilusão (porque as vontade individuais e a Vontade do universo são uma única coisa) podemos descobrir uma empatia com o mundo e tudo o mais, e a bondade moral pode surgir de uma compaixão universal."

(O Livro da Filosofia)
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às vezes me perguntam no que eu acredito, metafisicamente falando. penso bastante sobre o assunto, mas acho que acredito mesmo em muito pouca coisa. não consigo deixar de perceber, aqui e ali, a limitação e a fragilidade dos grandes sistemas cosmológicos, o absurdo das explicações do universo e das revelações religiosas. principalmente não acredito nos homens que as professam.

mas se tem um raciocínio que me é particularmente instigante é o de Schopenhauer, acima. a ideia de que cada um de nós, enquanto indivíduos, estamos essencial e irreversivelmente ligados uns aos outros, e mais, ligados ao universo como um todo, me parece fazer bastante sentido. estamos todos no mesmo barco, não temos pra onde fugir, carregamos entre nós muito mais identidades do que diferenças. enquanto espécie, compartilhamos os mesmos vícios e virtudes em potencial e funcionamos de um jeito muito parecidos, através da vontade, diria Schopenhauer, essa força indefinida presente em tudo e que leva o homem a desejar e a buscar sempre mais.

o que são todas as tragédias humanas, lutas, guerras, injustiças, opressões, sofrimento, que não, de uma forma ou de outra a intolerância, a negação do outro e a busca quase irrefreável por algo mais? acreditamos que somos diferentes, que estamos mais certos/ mais iluminados/ mais escolhidos por deus e que devemos fazer valer essa diferença, nos auto afirmar e nos impor sobre o outro, exercer domínio, quando na verdade o que temos é uma origem, um destino e um fim basicamente comuns.

não que eu compre tais ideias necessariamente como Verdade absoluta, acho que se simplifica em alguns pontos e acaba beirando ao misticismo. Também não nego a condição propriamente conflituosa das relações humanas, mas acho, sim, que é essa uma interpretação muito menos belicosa e destrutiva, ainda que utópica, de nos esforçarmos para criar pontos de tolerância, empatia e identificação com o outro (seja seu vizinho, seja o País no outro lado do mundo) e que de alguma forma arrefeçam (ou escancarem quão ridícula e vazia é) essa gana humana pelo exercício de supremacia e dominação.


terça-feira, 19 de maio de 2015

Woody Allen, a falta de sentido da vida e uma música da década passada...

Estava lendo sobre o novo filme do Woody Allen, que estreou no festival de Cannes semana passada (Irrational Man) e numa de suas respostas me deparei com um pensamento que, apesar de bastante recorrente em sua obra, me pegou mais uma vez:
"Como artista, você tem que passar ao público a ideia de que a vida tem um sentido. Mas você está trapaceando, porque não tem nenhum sentido. Qualquer coisa que você criar vai desaparecer, assim como o Sol, a Terra, Shakespeare, os Beatles. Tudo o que você pode fazer na vida é se distrair e ter alguns bons momentos, se manter ocupado. É o que farei até o dia em que eu for velho... Num futuro muito distante" (W. Allen) 
É isso! A arte com um refúgio, um argumento, ainda que fugidio e limitado, para a vida. A possibilidade de criar sentido, de encantar o mundo, de fazer rir e chorar... ainda que se saiba que de forma temporária, frágil e sem nos levar a lugar algum. Afinal, não há lugar aonde ir, o nosso lugar é aqui mesmo.

Confesso que, particularmente, sou partidário dessa forma de ver as coisas. Não creio que o universo enquanto tal possua um sentido em si, absoluto. Não há pote de ouro no fim do arco-íris. Em breve tudo irá desaparecer. Não importa quão grandioso ou aparentemente definitivo, irá desmoronar... Outros gigantes já viraram pó antes e nós mesmos estamos fadados ao esquecimento. Seremos sucedidos por outros e outros, num ciclo a perder de vista. 

Mas veja, essa não é exatamente uma negação da vida e só a princípio soa pessimista. Pelo contrário, se soubermos conviver com isso, ao nos livrarmos do peso excessivo da continuidade, da linearidade, do definitivo, podemos ser mais livres para criar e recriar, para sermos nós mesmos. Não somos (enquanto civilização ou indivíduos) o centro do universo, muito pelo contrário. Ainda bem! 

Nesse sentido, o niilismo pode ser um belo ponto de partida para a leveza, o bom humor e a capacidade de "entendimento". A partir do momento em que não podemos fugir da nosso própria insignificância, temos que nos valer dela própria para nos situarmos no mundo. Pintar, escrever, atuar (ou tomar uma cerveja no bar com um amigo) acabam se tornando tarefas mais humanas, expressões ao mesmo tempo limitadas e poderosas da nossa existência e de como compartilhamos isso uns com os outros, enquanto é tempo.

Talvez tenha ficado abstrato demais, pretensioso. Só queria mesmo dizer que essa referida falta de sentido da vida pode ser libertadora, divertida e um tanto quanto mais honesta intelectualmente. 

Quando li a declaração, me lembrei imediatamente de "Suportar", a sexta música do disco "Sublime Mundo Crânio" do Lasciva Lula, banda que, se não me engano, já não existe mais, mas que, com pouquíssimas palavras também consegue tratar do caráter incerto e fugaz da vida:

"suportar
 ocupar o tempo 
 suportar 
 ocupar o tempo 
 como estepe, manter 
 talvez tentar ser feliz  
 nada mais."

Sei que acaba por adquirir um teor um pouco desiludido, mas gosto da maneira crua e sem subterfúgios com que se enfrenta a questão: é suportar, ocupar o tempo e talvez tentar ser feliz. Acho que esses pontos, por si só, já nos mantêm suficientemente ocupados na nossa busca por "viver". E é isso que me faz imensamente grato pelo Sr. Woody Allen continuar lançando anualmente ótimos filmes, de forma ajudar a ocupar meu tempo da melhor maneira que posso imaginar. Até quando formos bem velhinhos.
Nada mais...




segunda-feira, 27 de abril de 2015

sexta-feira, 20 de março de 2015

Na Enseada de Botafogo

Como estou só: Afago casas tortas,
Falo com o mar na rua suja...
Nu e liberto levo o vento
No ombro de losangos amarelos.

Ser menino aos trinta anos, que desgraça
Nesta borda de mar de Botafogo!
Que vontade de chorar pelos mendigos!
Que vontade de voltar para a fazenda!

Por que deixam um menino que é do mato
Amar o mar com tanta violência?
 
(Manoel de Barros)
_________________
"que desgraça... bem sei"

quarta-feira, 18 de março de 2015

Meus centavos sobre as manifestações de domingo


Domingo, dia 15/03,  houve manifestação em diversas cidades do Brasil para protestar contra o governo federal e a corrupção (do PT) e que reuniram, segundo os organizadores, 3 milhões de pessoas e segundo as PMs 2,4 milhões. Não tenho motivos para acreditar em tais números, mas reconheço que muitas pessoas foram às ruas para reclamar, em mais um episódio da recente crise institucional e de insatisfação com o governo Dilma. Abaixo algumas considerações sobre o tema:

1. Acho espantoso como o PT e o governo como um todo têm conseguido se auto-sabotar. Têm demonstrado falta de habilidade em ouvir e negociar, se isolando cada vez mais, causando estremecimento na "base aliada", desmobilizando sua militância e simpatizantes e dando muita munição para a oposição (inclusive a midiática) com declarações e medidas pouco inteligentes, além da falta de diálogo e de habilidade política. Conseguiu-se erigir uma enorme antipatia pela presidente e seu partido que, ainda que confusa, baseada em preconceitos e insuflada pela mídia, é, em grande parte fruto dos próprios feitos petistas.

2. Pontuada a inegável responsabilidade do PT sobre a atual situação econômica, política e social do País, quero destacar que uma parcela da população foi às ruas no domingo passado após uma descarada e calorosa propaganda da grande midia, que fez questão de vender os protestos da forma mais simpática possível, em tom convocatório. Assisti ao esporte espetacular por meia hora na manhã de domingo e ouvi mais sobre as manifestações do que sobre esporte. A própria maneira como se referiam a elas durante todo o dia tinha o claro objetivo de convidar as pessoas à participarem.

3. Considero que manifestações populares são justas, salutares e necessárias para qualquer regime minimamente democrática. Todo tipo de pessoa pode e deve sair às ruas para dar voz às suas opiniões, por mais que eu me contorça por dentro ao tomar conhecimento de seu conteúdo. Afinal, liberdade para se expressar é fácil, difícil mesmo é liberdade para o outro, que está no lado oposto, poder dizer o que pensa (ou às vezes que não pensa). 

4. Por outro lado, também acho justo, necessário e salutar que discordemos (até veementemente) das opiniões alheias. Se há o direito de expressar, também há o de discordar e contra-argumentar. Ambos se complementam. E é dessa forma que eu me coloco diante das manifestações que ocorreram domingo. Claro que eu acho que o governo precisa ser pressionado, principalmente diante das graves denúncias de corrupção e também quanto às medidas que vêm sendo adotadas, mas não consigo me identificar nem um pouco com um movimento daqueles, que reuniu saudosos da ditadura ("intervenção militar constitucional", hahaha), golpistas e conservadores em geral, numa histeria coletiva raivosa e desinformada. A pauta que se colocava ali, ainda que pulverizada e difusa, não passa nem perto da minha. Pior ainda, quando boçais como Silas Malafaia e Bolsonaro convocam a população para uma manifestação é sinal de que eu definitivamente NÃO tenho nada pra fazer ali...

5. Na MÉDIA, estavam presentes pessoas mais brancas, mais ricas, mais velhas e, principalmente, muito mais conservadoras, expondo o que eu considero um patriotismo ufanista, constrangedor e agressivo que só reforça a polarização e a falta de diálogo. A oposição minimamente coerente e articulada era irrisória diante de tantos "defensores da pátria" com as cores da bandeira e camisas da CBF, segurando faixas e entoando gritos ofensivos e desconexos. A impressão que dava ali é que pouco importava a corrupção em si, o importante era atacar o PT, por ser o PT e nada mais. Aqui em SP não se viu nenhuma plaquinha contra o governo do estado ou contra qualquer outro partido. Todos os males do Brasil parecem ser culpa do PT, numa associação infantilizada. Quando colocamos as coisas desse jeito estamos livrando a cara de todos os outros e virando as costas pr'aquilo que realmente importa.

6. Especificamente sobre os delirantes defensores de um regime militar, não preciso dizer o quão ridícula e ultrajante me soa essa ideia. Pior ainda quando clamada pelo "povo" supostamente "ofendido" pelo "mar de lama" que se tornou a política nacional, numa demonstração de que se entende pouco e se fala muito quando o assunto é política. Sem querer soar clichê, mas um governo que censura, cassa adversários, tortura, mata, aliena a população, nunca será a resposta para os nossos problemas. Sim, eu até acredito que a maioria dos presentes não defendia tal bandeira, mas acho estranho não se incomodarem de dar força e visibilidade a esse pessoal...

7. Quanto aos pedidos de impeachment, os considero despropositados e voltados simplesmente para desestabilizar o governo. Se a intenção é melhorar/ moralizar a forma de se fazer política no Brasil, não consigo ver esse caminho como minimamente razoável. Soa como raivinha juvenil ao se focar excessivamente no PT e na Dilma e livrar a barra de todos os outros. Isso me preocupa, pois distorce a realidade, fragiliza ainda mais nossa democracia, acirra os ânimos e demonstra uma preguiça horrível de se pensar um pouco mais além. Simplesmente se contenta em repetir à exaustão que a culpa é do PT e pronto, já temos a bruxa para queimar na fogueira. Porém, veja que ironia: Em outras épocas era o PT (o "arauto" da honestidade e da moralidade na política) que pedia o impeachment do FHC e hoje tem que ouvir tal clamor de cabeça baixa e sem muitos argumentos em sua defesa.

8. Os nossos problemas enquanto Estado e sociedade são muito maiores e mais antigos, não começam e nem terminam na era PT como querem fazer acreditar os nobres defensores da pátria. Diz respeito à nossa cultura política e tanto ao sistema eleitoral quanto ao sistema político. Envolve todos os partidos e a forma como eles se relacionam com o poder.  O financiamento privado de campanha, por exemplo, é um piada em todos os sentidos. Não há NENHUMA justificativa para empresas """doando""" milhões de reais para a campanha de políticos, que culminarão em relação escusas entre os futuros eleitos e essas empresas. A quantidade de partidos e a forma como eles chegam ao poder também é falha e precisa ser mudada urgentemente (a famosa reforma política), pois reforçam o clientelismo, o fisiologismo e a troca de favores.

9. Finalizando, acho que não preciso dizer que sei que o governo atual tem um caminhão de problemas e que, a despeito da atuação parcial da mídia, quero que todos os responsáveis por maus feitos nessa investigação e em outras, sejam duramente responsabilizados e inclusive que o PT sofra o que tiver que sofrer no que tange à sua credibilidade frente ao eleitor. Lembro que o Lula falou no início do seu governo, que o PT não poderia errar. Pois bem, erraram feio e vão ter que pagar a conta...

domingo, 15 de março de 2015

a canção de outros tempos

ouça aqui: https://soundcloud.com/carbonoeamoniaco/a-cancao-de-outros-tempos

por que você não passa aqui?
eu tenho um vinho bom
e podemos conversar
sobre tanta coisa

eu sei que você ri de mim
quando eu começo a gaguejar
por não saber o que dizer
e quase nunca sei

você me pede pra contar
o que eu andei fazendo todo esse tempo
ah, eu desvio o olhar
acho que prefere não saber

você me pede pra cantar
as canções de outros tempos
mas eu já não sou o mesmo
e nunca lembro a letra

por que você não fica mais?
eu passo um café
e a gente espera o sol nascer
sentado na varanda

gosto de te ver assim,
sob a luz branca da manhã
emoldurando o seu rosto
enquanto rói as unhas

e me pede pra contar
o que eu andei fazendo todo esse tempo
você percebe num olhar
acho que não preciso te dizer

você me pede pra cantar
as canções de outros tempo
mas eu já não sou o mesmo
e nunca lembro o refrão
que te pedia pra ficar
um pouco mais que a vida inteira
você diz não acreditar no que se diz numa canção
então esqueça os três minutos
que eu te conto o que passou
e a gente inventa o que será

terça-feira, 3 de março de 2015

Algumas linhas sobre "Trovões a me atingir"

Demorei um pouco pra ter uma opinião mais consolidada sobre o novo álbum do Jair Naves, "Trovões a Me Atingir". Confesso que numa primeira ouvida não me pareceu lá grande coisa, no máximo uma boa continuidade do anterior. Porém, é o tipo de álbum que não se pega de primeira e segue num crescente. Foi preciso tempo para apreciar os pequenos e inúmeros detalhes que o constroi. 

Primeiro de tudo, o trabalho me soou muito coeso e bem acabado. As harmonias e os arranjos estão excelentes, uma combinação bem dilapidada de diversas sonoridades. A ponto de me pegar esperando, por exemplo, o teclado e o backing vocal de "5/4", o trompete e a percussão no final da belíssima "B", o violão delicadamente arranhado e o violoncelo de "Prece Atendida" ou ainda a linha de baixo da parte final de "No Meu Encalço". Enfim, são pequenos grandes momentos que, aliados à já caracterísca intensidade do Jair, me agradaram demais, formando músicas poderosas, na mensagem e no som, sem preciosismos.

As letras continuam com a pungência e a profundidade poética já características. Tratam de temas como desilusão, solidão, relacionamentos, sempre de uma maneira densa e de uma perspectiva pessoal. Desde que o conheci me agradou a maneira como ele mistura tão bem delicadeza e lirismo com uma virulência latente que se insinua em sua voz grave, na métrica "alongada" de versos doloridos. Há urgência e "verdade" no que ele canta. Porém, aqui, perceptivelmente a forma do Jair Naves cantar está mais suave, sua energia está mais dosada e canalizada. Há mais sussurros e menos gritos. Aprofunda essa impresão os muito bem-vindos vocais femininos, inclusive na quarta faixa, "B", em que a Bárbara Eugênia canta.

Devo comentar também que o projeto gráfico do álbum físico está muito bonito, inclusive a capa em que, a despeito do nome do disco, o que atinge o músico são os raios de um dia ensolarado. Haveria aí um jogo intencional entre palavra e imagem?

Sempre me sinto limitado ao tentar comentar sobre música. O fato é que cada acorde me soou relevante, as nove músicas de "Trovões a me atingir" formam um disco agradável, cheio de qualidades e muito maduro, numa instigante evolução em relação ao álbum anterior de um artista que sem dúvida está entre os meus favoritos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Algumas linha sobre "Maus"

 http://lounge.obviousmag.org/fugindo_do_lugarcomum/2014/08/os-ratos-sem-valor-de-maus.html.jpg





Li semana passada "Maus", uma HQ de inspiração biográfica, que conta a história de Vladek Spielgeman, um judeu sobrevivente do holocausto. Fiquei realmente chocado pelos detalhes de sua trajetória e de uma época histórica que, apesar de já retrada à exaustão, sempre me parece assustadoramente inverossímel. Difícil imaginar até que ponto chegou a negação da humanidade de alguns grupos.

O traço é simples, sempre em P&B e sem tantos detalhes, mas os quadros abusando do preto acabam por dar um ar sombrio às cenas, numa ambivalência entre o "infantil" do desenho e o grotesco da história contada. Os personagens são retratados como animais e coube aos judeus serem ratos, enquanto os nazistas são gatos. Um elemento simbólico quase pueril, mas que martelado do início ao fim da história serve pra expor ironicamente ainda mais a posição que os judeus ocupavam naquela absurda relação de dominação. Eram caçados como ratos e exterminados como ratos. 

A história em si começa quando o próprio Art Spielgeman, o autor, procura seu pai para que ele conte suas memórias sobre o holocausto, para um projeto de fazer desenhar um história que retratasse a época. Achei legal essa sacada metalinguista, já que, além da narrativa principal, há a todo momento a conversa entre pai e filho, a preocupação com a obra a ser feita e as relações cotidianas de uma vida normal. Serve inclusive como contraponto os momentos da conversa entre eles, entre um reparo na casa e uma caminhada pela rua e os tensos relatos de pessoas se escondendo em buracos sujos ou amontadas em campos de concentração.

Vladek não é nenhuma herói, só um homem com afiado senso de sobrevivência, inteligente e muito sortudo, que, muitas vezes através da barganha e de contatos, consegue superar uma adversidade de cada vez, pacientemente esperando algo melhorar. Ao longo da década de 30 e até o fim da II Guerra, a situação dos judeus na Polônia vai se gradativamente insustentável e o tempo todo vemos pessoas sendo perseguidas, desalojadas, humilhadas, violentadas e lentamente exterminadas. Mais do que isso, o que mais choca é que até a própria humanidade é negada. Matar judeus passa a se tornar uma tarefa burocrática e rotineira. É impressionante a quantidade de pessoas, entre familiares e amigos, que sucumbem ante ao nazismo de muitas formas diferentes e isso só ressalta a sorte e habilidade do protagonista em se manter vivo. Por outro lado, nos dias em que narra sua história, Vladek é o caracterísitco judeu sovina (e até mesmo racista), o que lhe dá ares mais humanos (sem forçar virtudes onde elas não existem) e que também chega a ser engraçado.

Conta positivamente também o comedimento quanto ao sentimentalismo e a dramaticidade. Acabaria sendo piegas e desnecessário abusar desses recursos para contar uma história que por si só já é pesada e de difícil assimilação. Não há tentativas de se emular heroísmo ou mesmo uma vitimização exagerada, assim como os próprios sentimentos (que sem dúvidas estavam muito latentes nas situações vividas) transparecem na medida certa.

A história contada do ponto de vista de pessoas comuns realça muito a insanidade e violência que vigoraram principalmente na Europa naquela época. O antisemitismo já fazia parte da realidade, mas de uma hora pra outra não se é ninguém mais do que um judeu (uma raça de "não-humanos"), e pouco a pouco não se tem mais direito à casa, profissão, família ou mesmo nome e não há muito o que fazer, já que essa violência constante e a negação vivida num dia a dia asfixiante fez ruir muito da capacidade de resistência desses seres humanos. Muitas vezes eu me perguntava o porquê deles não lutarem, sabendo que iam morrer de qualquer forma, mas creio que seja difícil (e o próprio Vladek diz) lutar quando se está esfacelado, com frio, fome, medo e tentando preservar o mínimo de sua própria dignidade.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Algumas linha sobre "Ida"


e minha primeira incursão numa sala de cinema este ano não poderia ter sido melhor! Ida (2013) é um filme incrivelmente bonito, visualmente delicado e bem construído, numa sucessão por vezes brusca de quadros estáticos e frios. a fato de ter sido filmado em preto e branco e o enquadramento dos personagens na parte inferior da tela (e acima de suas cabeças grandes paredes brancas ou o céu nublado) só reforça a sensação de desconforto e vazio em que se encontram.

o filme se passa na Polônia dos anos 60 e conta a história de Anna, uma orfã crescida num orfanato católico, que às vésperas de se tornar freira fica sabendo que possui uma tia, sua única parente viva e que, por orientação da madre superiora, ela deve ir visitá-la antes de fazer seus votos. nada mais oposto à realidade daquela menina que "nunca tinha estado em lugar nenhum" do que entrar em contato com o modo de vida da tia, que mistura uma melancolia intrínseca à excessos de sexo, bebidas e tabaco. apesar do choque inicial desse encontro e de ser recebida com uma certa frieza, elas acabam se unindo pela frágil reminiscência de um passado em comum e pegando a estrada a fim de tentar descobrir onde os pais de Anna (judeus na época da II guerra) haviam morrido e sido enterrados.

não quero contar mais da história, que acaba não se resumindo à busca pelo passado perdido ou ao encontro dessas duas mulheres tão diferentes entre si. no caminho a relação entre tia e sobrinha se desenvolve, entre estranhamentos e afetos rotos, mas são mundos que nunca chegam a ser interpenetrar totalmente e que, apesar de ter um entroncamento em comum (a morte da mãe/ irmã de uma forma cruel), acabam permanecendo distanciadas. no fim da viagem, algumas perguntas são respondidas, porém outras continuam em aberto, as quais cada uma delas encara de sua própria maneira. 

a trajetória individual de Anna, antes aparentemente inequívoca, já que sem alternativas, é estremecida diante do descortinamento de seu passado e seu crescimento passa a depender também da maneira como ela aprende a lidar com essas novas formas de interação e de pertencimento ao mundo. nesse sentido, achei o desfecho fascinante, quando, após um momento de busca e reavaliação de si, acaba se sentindo pronta para optar por um caminho.

enfim, definitivamente não fui capaz de transpor a essência que tanto me agradou neste filme. vale o registro e a vontade de revê-lo.




quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Um pouco de cinema em 2014

Acho que não vi tantos filmes sensacionais no ano que passou. Talvez tenha tentado arriscar um pouco mais nas escolhas e visto coisas que variam entre ruins, médias e boas (mas esquecíveis).De qualquer forma, os que vêm abaixo são aqueles que acabaram por despertar mais meu interesse, cada um a sua maneira.

O Lobo de Wall Street: Ótimo roteiro e ótima interpretação do Leonardo Di Caprio (de novo), no papel de um sacana que se dá bem no mercado financeiro. O filme é ágil, inteligente e principalmente divertido, contando a história de pessoas alucinadas ganhando muito dinheiro e queimando-o das maneiras mais extravagantes. 

O Passado:  Já tinha escrito sobre ele antes (leia aqui). É um drama familiar, contado com destreza e sensibilidade, no qual os relacionamentos, passados e presentes, são expostos, revelando um redemoinho de segredos, sentimentos e problemas mal-resolvidos.

Magia ao Luar: Desde 1982, todo ano tem filme novo do W. Allen (sorte minha!). Gostei deste mais do que do Blue Jasmine (2013). Sua ambientação (sul da França da década de 20) é muito bonita e os protagonistas são cativantes. Ainda que tenha perceptivelmente um roteiro menos ambicioso, chegando a repetir alguns temas de filmes anteriores (magia/ misticismo x ceticismo) , é um filme leve e bem divertido.

Relatos Selvagens: Normalmente não gosto tanto de filmes compostos por pequenas histórias fechadas e independentes, mas este sem dúvida briga com O Lobo de Wall Street pelo título de melhor filme do ano. Roteiro genial, com humor negro e violência na medida certa, relatando situações em que pessoas normais simplesmente perdem o controle. Além disso, fiquei impressionado como a narrativa flui bem, sempre criando um impacto. Já tinha escrito sobre ele aqui.

Miss Violence: Seu maior mérito, para mim, é a forma original como trata de temas pessadíssimos como o incesto e a pedofilia e como tais perversidades tomam conta das pessoas ao seu redor. Tem uma narrativa lenta e tom seco e pesado, que acabam por passar uma sensação de repugnância, revelando aos poucos o terror de uma família atormentada.

O Critico: Ótima comédia romântica que brinca com os clichês do gênero. Conta a história de um crítico de cinema ranzinza e fechado, rigoroso em suas críticas sobre os filmes atuais (principalmente quanto às comédias românticas), que, por um "acaso do destino", passa a viver uma típica história de amor. Gostei muito da forma irônica e bem humorada como retratam o "especialista da sétima arte" e os desdobramentos de seu inesperado caso de amor.