"Não me lembro mais onde tudo começou, foi por assim dizer escrito todo ao mesmo tempo. Tudo estava ali, ou devia estar, como no espaço-temporal de um piano aberto, nas teclas simultâneas do piano. Escrevi procurando com muita atenção o que se estava organizando em mim e que só depois da quinta paciente cópia é que passei a perceber. Meu receio era de que, por impaciência com a lentidão que tenho em me compreender, eu estivesse apressando antes da hora um sentido.(...) Se eu pudesse escrever por intermédio de desenhar na madeira ou de alisar uma cabeça de menino ou de passear pelo campo, jamais teria entado pelo caminho da palavra."
LISPECTOR, Clarice. Para Não Esquecer, pág. 122-123. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1999.
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e ainda: "a certeza só aparentemente paradoxal de que o que atrapalha ao escrever é ter de usar palavras".
...porque é assim mesmo. se aventurar "a vestir uma ideia com palavras" é tarefa incerta, mania cansativa e frustrante. as palavras são tão poucas (5 milhões, digamos), enquanto há um infinito (infinito e meio) a se dizer por meio delas.
as teclas de um piano são todas, os dedos a tocarem-nas são tão poucos, que eu só posso tocar uma canção por vez...
[é que a clarice tocou nesse assunto e eu fiquei a pensar nele...]
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