A seguir, trechos de uma entrevista com o engenheiro de tráfego Horácio Augusto Figueira, sobre a questão do trânsito em São Paulo:
SPressoSP – Por que este custo-benefício ainda é tão caro?
Horácio Augusto Figueira - Pelo congestionamento imposto pelos automóveis, o poder público não tem a coragem de falar que uma faixa de ônibus transporta dez vezes mais pessoas que a mesma faixa ao lado de automóveis. A sociedade e a mídia cobram que existem muitos congestionamentos, acho que ainda tem pouco. Eu acabaria com o rodízio em São Paulo, para a cidade sentir o que é a verdade do automóvel.
Todo mundo quer andar de carro, mas não existe espaço físico que comporte mais automóveis na cidade de São Paulo. Não tem mais obra viária que vá resolver a questão da mobilidade por transporte individual. Não tem alargamento de marginal, ponte ou túnel que dê conta.
Não sou contra o automóvel. Tenho automóvel, mas me recuso a ir para o centro da cidade com transporte individual. Não cabe, é um problema físico. Você consegue colocar cem pessoas em 1 metro quadrado? Não consegue, e o que estão querendo fazer com o automóvel é isso. A 23 de Maio vai continuar a mesma, e não podemos desapropriar a cidade inteira para entupir com automóveis.
Você vê o que aconteceu na Marginal Tietê, a prefeitura e governo estadual investiram quase 2 bilhões de reais para alargar a Marginal e os congestionamentos voltaram. Aí eles restringiram os caminhões, e os congestionamentos voltaram. E agora, quem eles vão tirar? Os pedestres, vão acabar com as calçadas? Não tem o que fazer, a demanda é tão grande que qualquer avenida inaugurada hoje, em um mês já vai estar entupida.
SPressoSP – Recentemente o pré-candidato à prefeitura de São Paulo, José Serra, afirmou que investir em ônibus em São Paulo iria engarrafar ainda mais a cidade. O que o senhor acha desta afirmação?
Horácio Augusto Figueira – Iria engarrafar o trânsito de automóveis, quando, na verdade, é o contrário, são os automóveis que engarrafam o trânsito do transporte coletivo e não deixam os ônibus andarem. É um viés, precisamos voltar aos bancos escolares para ter uma aula sobre o que é engenharia de transporte de pessoas. O ex-governador que me perdoe, mas quando eles falaram que iriam alargar a Marginal Tietê eu avisei, em uma entrevista, que iam jogar nosso dinheiro no lixo. Nas dez faixas da Marginal Tietê passam em média 15 mil automóveis por hora. Se multiplicarmos esse número pela ocupação média de 1,4 passageiro em cada automóvel, dá 21 mil pessoas por hora. Qualquer engenheiro da prefeitura sabe que uma faixa exclusiva para ônibus biarticulados, bastando apenas permitir a ultrapassagem no ponto, consegue transportar, com um padrão razoável de conforto, todas as pessoas que estão entupindo as dez faixas da marginal.
Quando o candidato diz que vai entupir a cidade, ele só está enxergando o congestionamento de automóveis, e o que eu lamento é o congestionamento de ônibus. (...) É só verificar o problema e aumentar mais uma faixa para o transporte público pelo tempo necessário. E os automóveis? Não estou mais preocupado com os automóveis. Se continuarmos preocupados com automóveis não tem mais o que fazer. Posso investir um trilhão de dólares em obras viárias em São Paulo que nunca mais vou conseguir resolver o problema da mobilidade.
Resumindo tudo o que estou falando, o sonho do automóvel acabou na cidade de São Paulo. Ele foi bom há 40 anos, quando era 1 em mil. Hoje, tem famílias que têm oito veículos para fugir do rodízio. É o rodízio da hipocrisia, você que é pobre não vai andar, mas eu que sou rico pego meu outro carro.
O metrô e o trem vão resolver o problema? Vão resolver os grande eixos de demanda, mas não da mobilidade de uma cidade que tem mais de mil linhas de ônibus. Você nunca vai ter uma malha de metrô de 2 mil quilômetros nem daqui a 1.000 anos. O sistema de ônibus é aquele que sobe o morro, que atende as ruas de bairros, e muitos dos seus eixos têm que ser estruturadores do sistema de transportes. Tem eixos que não precisam de metrô. Um corredor bem feito e bem operado resolve o atendimento da demanda, basta que você tenha linhas tronco. Por exemplo, a Rebouças, onde operam mais de 30 linhas de ônibus, teríamos que transformar em quatro ou cinco linhas troncos com ônibus biarticulados, como se fosse um metrôzinho sobre pneus. Outra medida é implantar um sistema de semáforo onde o ônibus converse com o semáforo por radiofrequência para diminuir o vermelho. Londres implantou isso em 77 e diminui 30% no tempo de percurso, e Curitiba está com isso faz três meses em todos os seus corredores.
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Basicamente a repetição de ideias um tanto quanto óbvias, mas que parece que o poder público e a sociedade em geral não enxergam.
Até hoje a questão parece ser sempre a tentativa proporcionar melhorias no fluxo do transporte individual, como se andar de carro numa cidade entupida e poluída fosse um direito sagrado e inquestionável.
A lógica profundamente arraigada de que o carro deve se sobrepor a toda e qualquer alternativa de transporte público... Aí os governantes, em atos desesperados e inúteis investem pesadamente em obras viárias ou passam a restringir tanto quanto possível o trânsito em vias estratégicas.
Gostaria que algum prefeito desta cidade tivesse a coragem de revolucionar a política de mobilidade urbana e restringisse de fato o espaço dos carros em favor dos corredores de ônibus.