Estava lendo sobre o novo filme do Woody Allen, que estreou no festival de Cannes semana passada (Irrational Man) e numa de suas respostas me deparei com um pensamento que, apesar de bastante recorrente em sua obra, me pegou mais uma vez:
"Como artista, você tem que passar ao público a ideia de que a vida tem um sentido. Mas você está trapaceando, porque não tem nenhum sentido. Qualquer coisa que você criar vai desaparecer, assim como o Sol, a Terra, Shakespeare, os Beatles. Tudo o que você pode fazer na vida é se distrair e ter alguns bons momentos, se manter ocupado. É o que farei até o dia em que eu for velho... Num futuro muito distante" (W. Allen)
É isso! A arte com um refúgio, um argumento, ainda que fugidio e limitado, para a vida. A possibilidade de criar sentido, de encantar o mundo, de fazer rir e chorar... ainda que se saiba que de forma temporária, frágil e sem nos levar a lugar algum. Afinal, não há lugar aonde ir, o nosso lugar é aqui mesmo.
Confesso que, particularmente, sou partidário dessa forma de ver as coisas. Não creio que o universo enquanto tal possua um sentido em si, absoluto. Não há pote de ouro no fim do arco-íris. Em breve tudo irá desaparecer. Não importa quão grandioso ou aparentemente definitivo, irá desmoronar... Outros gigantes já viraram pó antes e nós mesmos estamos fadados ao esquecimento. Seremos sucedidos por outros e outros, num ciclo a perder de vista.
Mas veja, essa não é exatamente uma negação da vida e só a princípio soa pessimista. Pelo contrário, se soubermos conviver com isso, ao nos livrarmos do peso excessivo da continuidade, da linearidade, do definitivo, podemos ser mais livres para criar e recriar, para sermos nós mesmos. Não somos (enquanto civilização ou indivíduos) o centro do universo, muito pelo contrário. Ainda bem!
Nesse sentido, o niilismo pode ser um belo ponto de partida para a leveza, o bom humor e a capacidade de "entendimento". A partir do momento em que não podemos fugir da nosso própria insignificância, temos que nos valer dela própria para nos situarmos no mundo. Pintar, escrever, atuar (ou tomar uma cerveja no bar com um amigo) acabam se tornando tarefas mais humanas, expressões ao mesmo tempo limitadas e poderosas da nossa existência e de como compartilhamos isso uns com os outros, enquanto é tempo.
Talvez tenha ficado abstrato demais, pretensioso. Só queria mesmo dizer que essa referida falta de sentido da vida pode ser libertadora, divertida e um tanto quanto mais honesta intelectualmente.
Quando li a declaração, me lembrei imediatamente de "Suportar", a sexta música do disco "Sublime Mundo Crânio" do Lasciva Lula, banda que, se não me engano, já não existe mais, mas que, com pouquíssimas palavras também consegue tratar do caráter incerto e fugaz da vida:
"suportar
ocupar o tempo
suportar
ocupar o tempo
como estepe, manter
talvez tentar ser feliz
nada mais."
Sei que acaba por adquirir um teor um pouco desiludido, mas gosto da maneira crua e sem subterfúgios com que se enfrenta a questão: é suportar, ocupar o tempo e talvez tentar ser feliz. Acho que esses pontos, por si só, já nos mantêm suficientemente ocupados na nossa busca por "viver". E é isso que me faz imensamente grato pelo Sr. Woody Allen continuar lançando anualmente ótimos filmes, de forma ajudar a ocupar meu tempo da melhor maneira que posso imaginar. Até quando formos bem velhinhos.
Nada mais...