segunda-feira, 26 de outubro de 2009

sobre muros

eu sou muro.
nasci muro...

sem entender os mundos
(de cada lado das minhas faces)

cresci muro.
eu sou muro...

nascido na surdina
(sem alarde)

eu sou muro.
vivo muro...

desmoronado
(desfeito em partes).


[solilóquio camiphili]
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I. Não sei até que ponto é apropriação indébita, mas pensei muito nesse poema a partir de uma posição de mundo. O muro que não entende o que ocorre dos dois lados dele e portanto permanece na surdina, na sua condição de (estar em cima do) muro. Já me falaram que adoto tal posição frente a uma série de questões, discordo, acho simplificador e taxativo demais, mas no fim acho que é isso mesmo: o muro não entende os lados. Gosto da liberdade que uma visão ampla permite e penso que sem muro seria tudo uma coisa só. Então não o reifiquemos. Ele não esteve sempre lá. Nasceu na surdina, sem que percebemos e quanto mais pedras nas mãos maior é sua altura.

II. Porém, esse mesmo muro está desmoronado. E isso me deu uma idéia de como algo sólido e resistente (como um muro deveria ser), pode apresentar sinais de fraqueza e fragmentação. Ele não esteve sempre lá e pode ser que deixe de estar mais dia ou menos dia.

III. Um último pensamento que tal muro evoca é o de seu papel de separar o que antes era único. Colocado no meio, causa e consequência de diferenças que surgem de um lado e do outro. Cria diferenças e é criado por elas, possibilita a distinção entre o cá e o lá. E por ser muro impede que um enxergue o outro como um igual. São demonstração de força e coerção. São os muros dos presídios, dos manicômios, das escolas, das mansões, do apartheid e da xenofobia. Só não saberia dizer em qual dos dois lados estão os "livres" e os "cativos".

P.S. foi retirado daqui http://inversoscamifelling.blogspot.com/2009/07/blog-post_16.html#comments

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