quinta-feira, 26 de agosto de 2010

sobre duas linhas incompletas

sabe garota, eu poderia tentar escrever algo sobre você. era o que eu queria! captar uma suposta essência que fosse sua, só sua e que só eu pudesse desentranhar e colocar no papel. talvez ficasse bom e eu até ficaria satisfeito, confortável, ao reler. seria você, da maneira como existe em mim (e da maneira como eu pensei que você existisse em tudo!). porém desisti de fazê-lo ao final da segunda linha... ("ei, isso é metalinguagem barata!") eu sou sempre assim... faço e desfaço. refaço, descreio, dou a minha vida, renasço e passo a tarde a pensar. sempre, sempre assim. e nunca soube exatamente se você ria por achar graça ou por desdém... (tudo bem, os ruídos e os dentes expostos por si só valiam a pena).

talvez você reflita sobre isso daqui a dez anos e sinta orgulho de ter conhecido uma pessoa como eu... ou não, em dez anos pode ser que eu seja somente um nome (mais consoantes que vogais) ou nem isso. porém, esse é um risco que se corre, o que importa, o que cabe dizer agora é que eu queria escrever sobre você, de uma maneira doce e forte. queria que um punhado de palavras te traduzissem, te refletissem (te iluminassem), ainda que deformada (as palavras sempre deformam, não é mesmo?) mas desisti (acho que o que me define melhor são as coisas das quais eu desisti) ao perceber que isso seria escrever sobre mim (como o que eu estou fazendo neste momento...) e escrever mentiras sobre pessoas que eu nunca conheci. tentar me fazer mais claro seria inventar uma estória e obscurecer a pouca verdade sobre a qual nos sustentamos (você tem uma verdade? você dorme com ela todas as noites, por medo de ficar sozinha?) e isso é exatamente o que eu não queria fazer. não agora. não nesse momento...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um Sorriso

Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com meu facho acesso e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?

(Gullar, Ferreira in Na Vertigem do Dia)
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que busco aqui embaixo senão colher a flor do sorriso que o teu rosto ilumina?
erótico e singelo, como eu queria...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

em espiral

fixação por cores, por cheiros, por sons. todos os meus membros em alerta, eufóricos, suplicando o que há para se absorver. instintivamente rastejo por entre a matéria em busca de sensações. quero a parte pulsante das coisas, a vibração caótica dos corpos (inclusive os inertes). acho que isso é querer estar um pouco mais atento à vida (a vida?). é tentar provar a mim mesmo que estou vivo. estou tentando, meio que sem querer, chegar à conclusões. mas não daquelas que dão respostas definitivas e duradouras, que nos esmagam e excluem todas as outras possíveis respostas, mas sim a possibilidade de se adicionar novas visões, que se interpenetrem e se complementem... que haja sempre mais sons, mais cores e mais cheiros.

o parágrafo anterior está perdido. definitivamente. e não há tempo para lamentá-lo. há que se recomeçar dizendo (súbito) que peguei uma tesoura de dentro da gaveta e perfurei fundo meu peito pra ver um coração estranho batendo forte e um pulmão cheio de resentimentos. eram meus!  e estavam condenados. não pude mais ver meu sangue vermelho, ele não era mais vermelho, assim como a paisagem era tão somente preto e branco. o líquido que jorrava de mim tinha uma leve tonalidade esverdeada, um verde ocre e tímido (podre?) e isso não era de todo mal. havia algumas marcas no meu corpo e isso também não era de todo mal. só não pense, minha cara, nisso como uma declaração de amor (ou de fé). no máximo assumo, agora, minha culpa... (ao ver meu meu estado o doutor me desenganou... "a única coisa a fazer é tocar um tango argentino").

há uma última chance! não me encontro mais. rejeito covardemente tudo o que foi dito antes. é minha tentativa de redenção. é minha forma de me tornar desprezível. pelo menos é o que você me diria se estivesse aqui, se me alcançasse. não...você não diria nada, deixaria que eu me perdesse. pior: se estivesse aqui eu é que estaria pensando em nada.

desisto enfim, entre lamentoso e aliviado.
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"entendes finalmente
que o passado
é pura doença."

(ferreira gullar)

- entendes?

terça-feira, 17 de agosto de 2010



por que continuas?
há versos de amor em tudo que vês?
hein!? há versos?
há amor?
não. nada.
não há nada...

e lemos no jornal todos os dias que
o tempo de amar passou
"o amor acaba seu juíz"
foi ontem...
depois do jantar, antes da novela
o amor foi um intervalo comercial

e lemos na parede do banheiro que
a poesia também passou,
(e não deixou saudades)
foi uma foda
bem dada
mas não deixou saudades...
e bocejamos no final

...
num desatino
ainda ejaculas versos,
descontrolavelmente
na pele amarela dela
ainda procuras alívio (no tormento)
e chama amor
(e chama poesia)
a noite que passas acordado
com um cigarro entre os dedos a olhar o corpo estranho que [dorme na tua cama.


por que continuas!?

terça-feira, 3 de agosto de 2010

poderia cantar qualquer música para você agora.
desde o mais novo sucesso das rádios até aquela que só eu sei que existe (por que fui eu que fiz).

cantaria uma dessas muitas, excessivamente românticas, que dizem tudo aquilo que de tão real só pode ser mentira.
te encantaria e te faria rir quando eu, bêbado ou envergonhado, desafinasse ou esquecesse um pedaço da letra.

tudo bem, ainda assim você acharia graça e pediria para eu deixar de bobeira. mas a tua mão afagando meu cabelo e os teus olhos perdidos nos meus seriam um discreto e doce pedido para que eu continuasse: "cante para mim. mantenha-me no alto, no centro do seu universo. que eu seja ainda o motivo das suas notas, mesmo que desafinadas".

você sabe, uma canção seria o melhor que eu poderia fazer...
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"Faça silêncio por um momento
Não precisa falar
Experiências, experimentos
Não ponha letra, nem perca tempo
Só precisa tocar
Sinta o som dos instrumentos . "

(Relespública)