o que se deu então foi uma terrível queda-de-braço entre nós. e se eu digo "nós", distinguindo um "você" e um "eu", devo esclarecer que é mera formalidade empírica, por estarmos opostos, frente a frente. na verdade a batalha foi entre uma pequena parte de mim, a mais franzina, que ainda insistia em se manter em combate e você (total, indivísivel, de aço) e também contra os meus pedaços, que estavam contra mim, ou simplesmente se eximiam de qualquer posicionamento.
esse é um ponto, aliás, que merece maior atenção. fragmentos da minha "individualidade" (nesse momento já inteiramente dividida) que por motivações diversas (ou ausência delas) estavam em conflito. talvez por sadismo, um perverso gosto por incitar sensações dolorosas e desnorteantes. Ou então por complacência, por querer me desencorajar a tomar atitudes que, no fim, seriam de fato a perdição. Arrisco ainda uma última motivação, que é a da derrota por antecipação, o sentimento já arraigado por completo de que a derrota é certa e, portanto, não há mais o que se fazer. há também aqueles, em mim, que ficam em cima do muro; respondem a tudo com hesitação, o peso de reticências que prostam. pecam pela inércia, pelo sangue amarelo e aguado que lhe (me) corre às veias, pela ausência de pulsão, que constroi e destroi, mas que ainda assim levam a algum lugar. enfim, tal é o enorme esforço que devo fazer para dar o mínimo passo. e que fique bem claro, não é minha intenção justificar eventuais derrotas, mas sim descrever melhor os termos em que se dava esse embate (e os outros).
sustentar-me resoluto em nosso desafio, era aceitar a enorme disparidade de forças estabelecida. era estar em desvantagem logo de saída, pelo simples fato de ser eu. porém, o que devo (e quero) ressaltar é que, ciente de tudo isso, do terror que era estar ali olhando diretamente nos seus olhos de abismo, não movi um dedo. meu braço não tinha (não tem) a mesma força que o seu, que era feito de nuvens, sons, cores e cheiros (a mesma matéria dura com a qual erguem-se edifícios) e seria loucura insistir no desafio. mas continuei por instinto e orgulho. o instinto de auto-preservação que tanto me falta na maioria das vezes, mas que dessa vez aflorava tímido, mas resoluto. e o orgulho, força que de fato me mantia, me impedia de dar o braço a torcer. não assim tão fácil. o mínimo que poderia fazer é manter-me resoluto, criar-lhe tantas dificuldades em ganhar de mim que ainda seria lembrado como um bom adversário. sim, esse é meu braço. por debaixo da minha pele, correndo em minha veias, há (também) orgulho. substância que dá alguma força, que mantém o brilho fraco que há em meus olhos e o sorriso quase morto esculpido na minha cara.
(...)
você acreditaria se eu confessasse que falo de raios de sol em dias verde-claro?
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"você é louco!? por que faz uma coisa dessas?"
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