(TIBURI, Márcia. "Como Conversar Com Um Facista", Ed. Record)
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partindo do princípio, muito claro para mim, de que o pensamento não é neutro (pensar em algo é não pensar em todas as outras coisas, é estabelecer uma ordem para as ideias e para o mundo), podemos utilizar nossa capacidade cognitiva e reflexiva para transformar ou simplesmente reforçar o status quo. podemos ser meros replicadores do passado estabelecido ou propor e considerar novas posturas frente a eternas questões.
porém, considerar-se questionador ou somente opor-se ao estado das coisas não basta. a crítica por si só é limitada em sua capacidade de transformar e induzir o processo dialético. tanto quanto possível, há que se buscar, enquanto sujeito, a lucidez teórica e prática como forma de combater o obscurantismo que sempre ronda muito perto todas as nossas formas de pensamento.
por que eu estou dizendo isso? não sei exatamente. um pouco talvez pelo desalento que me causa ver a vontade e a ação transformadora se deixarem seduzir tão facilmente pelo atalho das ideias pré-concebidas. me pergunto (e já sei a resposta) até que ponto é válido supor-se crítico quando o que se faz, na verdade, é substituir um pensamento obscurantista por outro, com a aparência um pouco mais moderninha...
acho que é isso. que venha 2016...
acho que é isso. que venha 2016...
2 comentários:
Acho que um primeiro ponto é a diferenciação entre o pensamento e a ação. Concordo que "pensar em algo é não pensar em todas as outras coisas, é estabelecer uma ordem para as ideias e para o mundo", mas daí para a coisa toda ir à favor ou contra o status quo, acredito que tenham vários passos. Em primeiro lugar, existe algo de capacidade crítica que permite ou não permite esse pensamento questionador. A inércia me parece ser uma tendência até para a forma de pensar; se não é provocada a ponto de ser modificada, permanece. Porque é mais fácil. Em algum nível da vida em quem você não vive a contra-prova à regra, em que a sua própria existência já é um contrassenso ao pensamento da ordenação do mundo que nos é imposto para a manutenção do status quo, essa crítica é um exercício racional e não uma vivência.
Em segundo lugar, a ação pode ir de acordo ou não ao seu pensamento (crítico ou não). E aí é a bagunça das combinações. Se você é ou se esforça para ser a mudança que quer no mundo, ou o mundo que não pode ser mudado (no sentido de se viver fora de alguma regra social, mais ou menos formal) o pensamento não se encerra em você mesmo. É certo que sua transmissão tem algum efeito no mundo, mas a sua incorporação e sua vivência são menos maleáveis do que apenas a sua opinião polida ou eticamente construída, a fim de satisfazer sua consciência, ego ou expectadores.
Em terceiro lugar, só você sabe até que ponto é válido "supor-se crítico quando o que se faz, na verdade, é substituir um pensamento obscurantista por outro, com a aparência um pouco mais moderninha...". Acho que é crítico o suficiente questionar-se a respeito da própria capacidade crítica, rs. Quer dizer, também não é como se houvessem tantas idéias assim que jamais foram pré-concebidas e também não é como se fosse fácil e instantâneo possibilitar a si mesmo um caminho jamais trilhado antes. Ainda que o atalho seja sedutor, talvez ele consista num meio termo entre o caminho esperado e um novo caminho; uma possibilidade de se perder ou se achar em um novo destino, negando-se a seguir a trilha originalmente prescrita.
ótimas ponderações, senhorita.
concordo com esse distanciamento entre pensamento e ação, apesar de não chegarem a se descolar. quero dizer, por mais que ambos vão na direção contrário, acabam resvalando um no outro.
na verdade o que me incomodou na questão é a "guinada de 360°" que muitas vezes nós fazemos, seja individual ou coletivamente. Tipo quando movimentos libertários/ revolucionários/ progressistas acabam se tornando o novo fundamentalismo reacionário propagador de obscurantismos. ou, em outras palavras, quando aquele que luta contra o obscurantismo acaba se tornando o próprio propagador de obscurantismos.
acho que isso acaba acontecendo justamente por essa perda do pensamento e da prática lúcidas. como você colocou capacidade crítica deve ser crítica de si mesmo (talvez numa descontrução permanente).
não são as ideias em si, mas sim o que eu faço com elas(ou o que eu deixo elas fazerem de mim), é um processo relacional e dialético.
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