sexta-feira, 21 de agosto de 2009

algumas linhas sobre "memórias de minhas putas tristes"

um livro lido recentemente e que merece comentários (sempre desconexos) é o "memória de minha putas tristes". me cativou a maneira como Gabriel Garcia Marquez, o autor, constrói o protagonista (um nonagenário, pouco interessante e com nada de especial) que eu achei muito carismático. a ambientação e a narrativa são belíssimas, retratando com delicadeza e sensibilidade a condição do personagem (que viu o tempo passar e ficou), sem cair no piegas ou no sentimentalismo exagerado.
conta-se basicamente um pequeno momento da vida desse senhor (o seu aniversário de noventa anos) e em perspectiva, reminiscências de suas memórias até então, permeada pela solidão e a melancolia de uma existência sem grandes sentidos. as "putas" que compõem o título têm seu papel de relevância e ao meu ver sublinham o sentimento de solidão do personagem.

contrasta com isso e com sua idade avançada, o amor (essencialmente platônico), descoberto (de maneira forte e intensa) na figura de uma menina (puta também, quase desconhecida) que trás uma boa dose de sentimentos até então adormecidos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

me agrada coisas velhas.

gosto de sentir a vida impregnada na sua gastura...

na nossa idolatria à perfeição do que é novo elas incomodam, chamam a atenção justamente por estarem ultrapassadas, fora de moda.

o novo nos orienta, numa conduta quase mesiânica (e, acreditem, é muito difícil fugir dele). coisas que duram remam contra a maré na esfera do consumo, da produção e do simbólico (que dá liga à ambos).

pode ser apego ao material, mas a necessidade constante por novidades também se torna apego, não necessariamente àquela coisa em si, mas à sensação (de satisfação?) que se tem ao se adquirir o lançamento (sim, as coisas são, invariavelmente produtos, inescapavelmente mercadorias). um estímulo quase orgástico que o consumo traz consigo.

esse eterno desmanchar-se no ar das coisas sólidas, que sobrepuja a tudo e a todos. que destrói para construi melhor, maior, mais rápido, mais moderno, mais bonito... ao diabo com essa apologia cega e sem sentido, deixe cá o que permanece e é muito mais¹.

um tênis velho (com quilometros rodados), uma camiseta (agora menos da cor original, mais de uma cor indefinida), um livro (com marcas de "orelha"), um cd (meio riscado), [um prédio, uma ponte, uma cidade inteira !!!]... acho legal a marca do tempo sobre todas essas coisas e sobre a velocidade da máquina (que é o mundo) que gira sem parar, vê-las quase como testemunhas do acúmulo do tempo.

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¹Não quero parecer conservador (no sentido estrito do termo), apenas questiono a maneira como as engrenagens se movem, esse impulso vazio e desorientado de superação (jogada de marketing? característica humana inata?) de algo (de quê?).

quinta-feira, 13 de agosto de 2009




"(...)
E assim as muitas noites
parecem uma só
ou no máximo duas:
sendo a outra
a noite de dentro de casa
iluminada a luz elétrica
A noite adormece as galinhas
e põe a funcionar os cinemas
aciona
os programas de rádio, provoca
discussões à mesa do jantar, excessos
entre jovens que se beijam e se esfregam
junto à cancela
no escuro
e quando o tesão é muito decidem se casar
(menos, por exemplo,
Maria do Carmo
que entregava os peitos enormes
pros soldados chuparem
na Avenida Silva Maia
sob os oitizeiros
e deixava que eles esporrassem
entre suas coxas quentes (sem
meter)
mas voltava pra casa
com ódio do pai
e malsatisfeita da vida) (...)"



GULLAR, Ferreira. Poema Sujo, pág. 32. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2008.
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a noite num poema sujo...