quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

um pouco sobre questões de gênero e o determinismo biológico

"A medida de sua amplitude surgiu com a revivescência do movimento feminista , do qual várias ideólogas chegaram perto de afirmar que todas as diferenças mentais entre homens e mulheres eram essencialmente determinadas pela cultura, ou seja, ambientais. Na verdade, a substituição, que entrou na moda, do termo 'sexo' por 'gênero', implicava a crença em que 'mulher' era não tanto uma categoria biológicaquanto um papel social. Um cientista que tentasse investigar esses temas sensíveis sabia estar em campo minado político."


"Os sóciobiólogos, ou os que popularizavam suas descobertas, sugeriam que as características (masculinas) herdadas dos milênios durante os quais o homem primitivo fora selecionado para adaptar-se , como caçador, a uma existência mais predatória em habitats abertos (Wilson, 1977) ainda dominavam nossa existência social."


(HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX, pág. 533, 534. Editora Companhia das Letras)

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Alguns comentários sobre as questões colocadas nos trechos extraídos acima:

1) Realmente, é bem percepitível o esforço de teóricas feministas, principalmente a partir da década de 70, de erodir a noção fortemente arraigada de que homem e mulher em seu comportamento e maneira de se relacionar eram dois seres naturais, e portanto, imutáveis em sua inserção social. Chegou-se na época a extremos ideológicos que visavam quase uma sociedade andrógena, defendendo inclusive que a gravidez não mais devesse ser um atributo femino, mas sim que se desse em laboratórios (vale aqui mais do que o exemplo, a ideia mais ampla que a permeia). De qualquer forma o que prevaleceu (e acho que acertadamente) foi a redefinição dos dois "sexos" (agora gêneros), enquanto realidades biológicas sim (ou seja, havendo diferenças que pudessem ser atribuídas ao ser masculino e feminino), mas também de forma irrefutável como papéis sociais, explicados e justificados sobre bases culturais.

Existem esses dois seres reconhecidamente diferente, porém e mais importante é como as culturas dão significados diversos a essas diferenças, como dão contornos os mais variados a ambos de acordo com o "universo simbólico" do qual fazem parte. Uma série de autores, a começar pela antropóloga Margareth Mead em "Sexo e Temperamento", buscam demonstrar como o comportamento esperado (enquanto natural) para homens e mulheres varia entre uma sociedade e outra. O esforço era (e ainda é) justamente questionar a ordem das coisas naturalizada e justificada em termos biológicos e trazer à tona, como já dito, seu caráter social e portanto, questionável e mutável. A "mulher" (esse conceito abstrato) passa cada vez mais a tomar corpo enquanto agente político, denunciando a desigualdade sofrida frente ao homem e reivindicando uma nova inserção na sociedade, sendo que tal movimento só foi possível na medida em que se desconstruiu a noção de mulher, na qual tudo se justificava em vista de sua natureza.

Por outro lado, a própria força que o movimento feminino alcançou no decorrer das décadas trouxe complicações para os estudos voltados de alguma forma para os gêneros, mostrando o quanto a ciência está imbricada com a política, sendo influenciada e influenciando. Como exposto no excerto acima, adentrar tal terreno é estar num campo minado.

2) Acho interessante (no mau sentido) a quantidade de explicações sociobiológicas que recebemos o tempo todo e buscam que justificar diversos aspectos do comportamento humano. Por que comemos demais (ou de menos), por que mentimos, por que fazemos assim ou assado determinadas coisas, entre muitas outras. Diariamente jornais e revistas dão destaque a alguma nova teoria. Pior ainda quando são para explicar o porquê das diferenças entre homens e mulheres. Vira e mexe a ciência propõe-se a tentar explicar por seus meios o comportamento mais variados de homens e mulheres (principalmente temas como traição, atração sexual, comportamento sexual, etc). Tentam dar bases naturais a características supostamente femininas (fragilidade, docilidade, submissão) ou masculinas (agresividade, dominação). Ou ainda fazem um ligação direta entre nós e o homem pré-histórico ("somos/fazemos assim, por que nossos antepassados também eram/faziam assim"). Acho que seria muito radical negar totalmente a validade dessas explicação. Porém, tenho certeza que tal "ciência" é utilizada em demasia, como um atalho para elucidar o comportamento humano. É mais fácil justificar determinada característica com base naquilo que não temos controle (como nos nossos genes e no próprio funcionamento do nosso corpo) do que estabelecer sua contigência social e política.

Como já disseram muitos antes, a cultura é a lente pela qual vemos o mundo. A maneira como vemos e lidamos com nós mesmo e com o(s) outro(s) não é dada deterministicamente pela natureza humana, mas está indissociada dos valores e da visão de mundo que tenho para mim e que compartilho com os que me rodeiam (num duplo e simultâneo processo, no qual sou influenciado pelo mundo exterior, enquanto pertencente a ele, mas também na qual minha visão individual do mundo toma forma).

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