era quase madrugada e isso não importava,
nenhum barulho lá fora, a não ser um carro ou outro passando
da janela, uma grande lua branca testemunhava minha decadência
aquela casa era minha, os meus tijolos, minhas paredes, mas eu era um estranho
talvez os pensamentos não fossem meus...
e apesar de haver um indefinível gosto amargo na minha boca,
àquela altura eu não me lembrava de coisa alguma
charlie parker improvisava ensandecido em seu sax
e isso pra mim bastava no momento.
concentrei-me na sucessão vertiginosa de notas
as imaginei rodopiando pelo ar
tudo era som, afinal.
"talvez eu tivesse sido um bom músico de jazz;
tocaria com os melhores e morreria aos 34".
"sim", respondeu um interlocutor imaginário,
talvez tivesse sido um bom músico,
ou escritor, desenhista, cientista, ou qualquer coisa...
mas não poderia ser melhor homem-medíocre,
para isso você tem talento inigualável.
espantei-me com aquela resposta,
fiz um esforço para que a música que ecoava
abafasse qualquer tentativa daquela voz de continuar
"afinal, tudo é som".
pelo menos naquela noite deveria ser.
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