MACÁRIO - É uma coisa singular esta vida. Sabes que às vezes eu quereria ser uma daquelas estrelas para ver de camarote essa comédia que se chama o universo? Essa comédia onde tudo que há de mais estúpido é o homem que se crê um espertalhão? Vês aquele boi que rumina ali deitado sonolento na relva? Talvez seja um filósofo profundo que se ri de nós. A filosofia humana é uma vaidade. Eis aí, nós vivemos lado a lado, o homem dorme noite a noite com uma mulher; bebe, come, ama com ela, conhece todos os sinais de seu corpo, todos os contornos de suas formas; sabe todos os ais que ela murmura nas agonias do amor, todos os sonhos de pureza que ela sonha de noite, e todas as palavras obscenas que lhe escapam de dia... Pois bem, a esse homem que deitou-se mancebo com essa mulher ainda virgem, que a viu em todas as fases em todos os sues crepúsculos, e acordou um dia com ela ambos velhos e impotentes, a esse homem, perguntai-lhe o que pe essa mulher, ele não saberá dizê-lo! Ter volvido e revolvido um livro a ponto de manchar-lhe e romper-lhe as folhas, e não entendê-lo! Eis o que pe a filosofia do homem!
Há 5 mil anos que ele se abisma em si, e pergunta-se quem é, donde veio, onde vai, e o que tem mais juízo é aquele que moribundo crê que ignora!
(Ao que Satã respondeu: "Eis o que é profundamente verdade!". E continuaram a conversa entre o vinho e a fumaça)
Álvares de Azevedo - Macário
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