os móveis da casa bravamente
resistem
à poeira do tempo
envernizados de realidade
permitem-se
o encontro com a matéria de que sou feito
sem mistério
sem lamentos
concentrados que estão em ser
eternos,
não sucumbem
a estes dedos
que sabem de si,
que sonham
e anseiam
e que os marcam
onde quer que toquem...
permanecem
mudos
em respeito ao vivo
que ora sou,
(silêncio que se faz indispensável
à sobriedade do ambiente)
espalham-se graves
contra as paredes,
não prestam atenção
e jamais testemunhariam contra mim
que me ocupo em ser só.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
sábado, 20 de abril de 2013
"(...)Sinto necessidade de escrever, o quê, não saberia dizer.
Vontade, no entanto, de ficar assim, sentado, com caneta e papel, à espera de alguma coisa.
Não disse alguém que o homem escreve para matar a morte? Talvez seja esse o sentimento que me coloca, a contragosto, nessa posição para mim meio ridícula como um espírita em vias de psicografar mensagens do Além."
(V. de Moraes/ Mistério a Bordo)
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Vontade, no entanto, de ficar assim, sentado, com caneta e papel, à espera de alguma coisa.
Não disse alguém que o homem escreve para matar a morte? Talvez seja esse o sentimento que me coloca, a contragosto, nessa posição para mim meio ridícula como um espírita em vias de psicografar mensagens do Além."
(V. de Moraes/ Mistério a Bordo)
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sim, vinícius, entendo perfeitamente essa sua necessidade de "matar a morte". sinto-a também algumas vezes e de maneira muito imprecisa, quase infantil, ouso eu mesmo formar as minha próprias linhas. por sorte o papel aceita generosamente toda sorte de escritor, sem juízos de valor, inclusive aqueles que não o são (até que digam a si mesmo que são...), mas que por um momento podem sê-lo.
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diálogo,
falando nisso...
segunda-feira, 15 de abril de 2013
excertos de "poema sujo"
(...)
"um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
(...)
"bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
(...)
"mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa
e de tempo: mas está comigo está
perdido comigo
teu nome
em alguma gaveta
(...)
"Não sei de que tecido é feita minha carne e essa vertigem
que me arrasta por avenidas e vaginas entre cheiros de gás
e mijo a me consumir feito um facho-corpo sem chama,
(...)
"E todos buscavam
num sorriso num gesto
nas conversas da esquina
no coito em pé na calçada escura do Quartel
no adultério
no roubo
a decifração do enigma
- Que faço entre as coisas?
- De que me defendo?
(...) Mas que é o corpo?
Meu corpo feito de carne e de osso.
Esse osso que não vejo, maxilares, costelas,
flexível armação que me sustenta no espaço
que não me deixa desabar como um saco
vazio
que me guarda as vísceras todas
funcionando
como retortas e tubos
fazendo o sangue que faz a carne e o pensamento
e as palavras
e as mentiras
e os carinhos mais doces mais sacanas
mais sentidos
para explodir como uma galáxia
de leite
no centro de tuas coxas no fundo
de tua noite ávida
cheiros de umbigo e de vagina
graves cheiros indecifráveis
como símbolos
do corpo
(...)
"meu corpo de 1,70m que é meu tamanho no mundo
(...)
"Corpo meu corpo corpo
que tem um nariz assim uma boca
dois olhos
e um certo jeito de sorrir
de falar
que minha mãe identifica como sendo de seu filho
que meu filho identifica
como sendo de seu pai
corpo que se para de funcionar provoca
um grave acontecimento na família:
sem ele não há José de Ribamar Ferreira
não há Ferreira Gullar
(...)
"esse coração oculto
pulsando no meio da noite, da neve, da chuva
debaixo da capa, do paletó, da camisa
debaixo da pele, da carne,
combatente clandestino aliado da classe operária
meu coração de menino"
(F. Gullar/ Buenos Aires - 1975)
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é que este dia sujo implora, deseja que se resgate um poema tão sujo quanto...
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