segunda-feira, 31 de março de 2014

vhils

Dias atrás passei por uma exposição na Caixa Cultural, "Street Art - Um Panorama Urbano". Apesar de ter umas coisas muito legais, foi meio decepcionante por ser bem reduzida. Devo ter demorado uns 20 minutos pra ver todos os trabalhos que tinha ali e senti que ficou inacabado.

Deixando isso de lado, além do Banksy que é um artista sensacional, me impressionou a obra de um cara que eu nunca tinha ouvido falar, um tal de Vhils. É um português de 20 e tantos anos que tem um jeito meio inusitado de criar. Pelo pouco que pude perceber, consiste basicamente em formar desenhos em muros através da "destruição". Utilizando-se de marreta, talhadeira e sei lá mais o quê, o cara vai quebrando e descascando as paredes, fazendo buracos de tamanhos variados, expondo tijolos e reboco, para, no final, fazer surgir rostos super realistas. 

É interessante demais o processo pelo qual ele faz suas obras. Elas passam ao mesmo tempo uma sensação de ruína e de beleza. Esculpindo a parede, quebrando-a, ele vai formando rostos que chamam a atenção pelos detalhes e que, ao se chegar perto não são mais do que velhas paredes destruídas. Não há cores vibrantes, somente os tons esmaecidos, próprios do concreto e da cidade. Não há formas além daquelas que surgem da depredação da parede. O que forma o desenho é aquilo que se destrói, o escombro. Mais "urbano" impossível.

Sua arte surge da decomposição. Não se põe nada ali além do que já existe. Nenhuma cor ou nenhum material além. Os rostos, estão sempre sérios e observam a cidade. Impregnados no cinza do muro duro me soam como almas esquecidas. Algo que sempre esteve ali, só faltava alguém que tivesse o trabalho (ou a audácia) de mostrar.


quinta-feira, 20 de março de 2014

conservadores lunáticos e a saudade da ditadura

Sou um profundo defensor do direito que as pessoas têm em serem imbecis, em acreditarem e propagarem qualquer tipo de ideia estapafúrdia. Qualquer um tem o direito de jogar seu respeito e credibilidade intelectual no lixo. Mas tem alguns momentos que não dá pra simplesmente deixar passar, como se não fosse nada.

Ultimamente leio aqui e ali umas aberrações defendendo a volta da ditadura militar, como uma solução mágica e infantil de nossos problemas enquanto sociedade. Nós, seres humanos, somo assim, aguardamos ansiosamente uma solução mágica, um herói que nos livrará de todo o mal, colocar ordem na casa, uma figura paterna severa, que tomará para si a tarefa de educar seus filhos e tomar todas as decisões por eles. Pode reparar, esses "amantes da ditadura" não pedem por mais poder de decisão para si e para os outros, não pedem mais eficiência das instituições democráticas. Elas querem é que um ente superior resolva todos os seus problemas através da concentração do poder. Querem continuar confortavelmente na sua alienação mediocre de quem não tem nenhuma responsabilidade".

Isso é irreal. Dá pena de quem pensa assim. Não existe ditadura boa, todas elas são ruins porque não aceitam questionamento, oposição, não se curvam a nenhum poder superior a elas. Confiar somente nas boas intenções dos detentores desse poder centralizado é arriscado demais. E isso aconteceu na na nossa ditadura militar. Setores da sociedade e da imprensa, que a principio regojizaram pelo golpe foram pouco a pouco sentido o baque, foram percebendo que liberdades e direitos garantidos pelo Estado são importantes e fazem falta quando perdemos. Bem ou mal neste país, estamos tentando fazer com que o poder político soberano respeite a lei, que é feita pelos legisladores, que são eleitos pelo povo. Ok, esse modelo funciona muito mal, está cheio de vícios. Mas ainda assim é melhor do que alguém que use da força e da coação como preferir.

Os governos militares a partir de 1964 foram tão ou mais corruptos do que os pós-reabertura. Muita gente enriqueceu ilicitamente, a máquina estatal era aparelhada e servia aos interesses do governo, decisões políticas e econômicas desastrosas foram tomadas, não havia quase nenhum respeito às "regras do jogo". A oposição servia de enfeite. Pior, perseguia-se, matava-se opositores políticos, censurava-se a imprensa. Como que alguém, em são consciência consegue concluir que uma situação dessas é melhor do que a que temos hoje (e a que podemos alcançar amannhã)? Foi um regime imoral, medonho, indefensável sobre todos os ângulos.

Fala-se tanto do "mensalão", como um exemplo de falência das instituições, mas vocês acham que se fosse numa ditadura, tal esquema de corrupção teria sido denunciado? Investigado? Julgado? Ou que algum agente público teria sido condenados? Podemos discordar de muitas coisas sobre o processo, podemos amar ou odiar os réus e os "PTralhas", mas não podemos negar que esse julgamento foi histórico, impossível de ter acontecido no tempo passados. E, repito, pode ter certeza que muita coisa pior acontecia naquela época.

Chego a conclusão que, de maneira geral, esses saudosistas da ditadura não sabem o que estão falando. Assistem o Datena e leem a Veja e têm alguns rompantes reacionários e autoritários. Concluem em suas cabecinhas quase ocas que está tudo uma porcaria e que a solução é acabar de uma vez com nossa frágil democracia. Não, não é.

Sim, ela é corrupta, ela funciona mal, é fisiologista, corporativista, demagógica, mas ainda assim é a nossa pouca garantia que as coisas não possam ser ainda piores. Pelo menos eu sei que posso falar mal e discordar do governo, eu sei que bem ou mal há uma oposição lá no congresso fiscalizando o governo, sei que tenho alguns direitos fundamentais que ninguém pode me tirar e que justamente por serem violados todos os dias é que temos lutar cada vez mais por eles. 

Sério, vão por mim, é mais seguro e garantido viver numa sociedade na qual o Estado não tenha o poder de te ameaçar, entrar na sua casa a qualquer hora do dia, te torturar para conseguir informação, ou te matar e dizer que você se suicidou. É melhor quando a gente sabe, através de umas letrinhas escritas no papel (também chamadas de lei) exatamente quais são nossos deveres e nossos direitos e que os representantes do Estado também tem que seguir aquelas letrinhas. A ditadura que enrabar o outro pode muito bem acabar enrabando você...

Sinto que estamos perdendo um tempo enorme tratando fantasiosamente de coisas absurdas, como se fossem as coisas mais naturais do mundo. Sinto que eu estou perdendo meu tempo com lunáticos. Faça um favor para você mesmo pueril e delirante adorador de ditaduras, mantenha-se calado e evite que as pessoas saibam o tamanho da sua imbecilidade.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Então, adeus...

Gostava quando você tossia. Alguma coisa em mim se animava ao ouvir aquele "cof, cof" (na falta de onomatopéia melhor...). Era você de volta. Era eu me apegando a qualquer coisa passada que me trouxesse um pouco de comforto. Um gesto tão inequivocamente seu, que eu sentia que você estava de volta. A mesma tosse que há muito tempo atrás vinha da cozinha e eu ouvia deitado no sofá da sala. A leveza por saber que você estava lá e que tudo estava bem. Nós sempre estamos nos gestos mais despretensiosos e corriqueiros: um jeito de apertar os lábios ou de ajeitar os óculos, de rir fechando os olhos, de andar devagar.

Às vezes me lembro... Uma lembrança débil, nebulosa, confusa, que se esforça pra se fazer presente. Me assusto com o fato de que cada vez menos consigo me lembrar de como era antes, lá atrás. Sinto dificuldade em aceitar que você não é mais e que, com isso, eu também sou menos. Porque a gente nunca é só a "gente" mesmo. Eu sou também o que os outros fazem de mim. E eu gostava tanto do que você me fazia ser... 

Aí eu percebo que viver é sempre pela última vez. Percebe? Sou eu me fazendo e desfazendo continuamente. Às vezes na porrada! E sempre que eu ia embora e voltava você me jogava essa verdade inconveniente na cara. Ao não me chamar pelo nome, ao não me olhar nos olhos, ao não fazer o que você sempre fez, você negava um pouco a minha própria existência. Por isso era importante reconhecer e me apegar àquele seu pequeno gesto. Era eu sabendo que, afinal não estava perdido por completo. E eu pensava em você e no resto das coisas e de alguma forma percebia que é sempre pela última vez. No fundo eu sabia que partir é só uma questão de quando e que não me seria permitido ensaiar despedidas. Se assoprarmos a camada de rotina e fixidez que nos cobre e nos acalenta podemos perceber que é sim, sempre sobre adeus.
Então, adeus.

sexta-feira, 7 de março de 2014

não te canto,
não te conto
verdade inteira,

toda encanto
etérea, terrena

nem te corto
ou te escondo
na tristeza da tinta
que turva e teima
(traição suprema!)

posto que a vibração
da sua presença
entorpece já
meu desatino
gotejado túmido
em tantas folhas

não te canto
toda, em cantos
tímidos, escondidos
na existência incerta
que compartilhamos,

seres que se tocam
e se repelem,
forças que se inflamam
e tentam a busca
do último retiro

(...sou torto,
não sei dançar
teu tango)

sábado, 1 de março de 2014

quatro tentativas perdidas (e recuperadas por uma garota insolente)

I. "Me vi mil vezes saindo por aquela porta...
Por força da inércia acabei ficando, mas minha alma saiu e me fez mais ausente do que qualquer um lá fora".

II. "Quis dizer tudo o que há muito já estava em minha cabeça. Pensamentos revolucionários, megalomaníacos, ousados
Grandes demais para uma vida 
(ou duas)
Calei-me
(Talvez a grande rebeldia seja se calar)"

III."Faço tudo que de mais previsível e explícito poderia fazer. E me suponho como dono de uma discrição sem igual. Afinal, você sabe tudo o que eu penso e que digo sim ao dizer não e usa isso contra mim.
Ou não!"

IV. "Uma folha em branco e te faço tão branca como a folha.
Tão folha quanto linda
Tão minha...
Bola de papel que vai p/ o lixo."


...: Não foi. 
     Nunca folha em branco.



(Lá de 2007)