segunda-feira, 11 de agosto de 2014

algumas linhas sobre "medianeras" (ou "a solidão e a cidade" - segunda parte)

dois solitários que se esbarram mas não se encontram, uma metrópole que sufoca e deprime, um mundo cada vez mais virtual e distanciado... esses são os elementos de "medianeras", filme sensacional que conheci quase por acaso. ainda que a principio seu subtítulo tenha me deixado com um pé atrás ("Buenos Aires na era do amor virtual"), ele é muito mais do que a comédia romântica que eu temia encontrar (ainda bem!).

é fácil se identificar com tema do filme. a interessantíssima apresentação que é feita sobre buenos aires ("cidade que vira as costas para seu rio") logo na abertura serviria para a maioria das grandes cidades contemporâneas. parte-se de uma reflexão sobre a arquitetura da cidade - cheia de prédios irregulares, erguidos a esmo, conferindo um aspecto caótico à paisagem urbana - para fazer refletir também sobre como as pessoas vivem nela e convivem entre si. ao mesmo tempo, vemos emergir uma sociabilidade virtual que nos promete muito mais interação e proximidade, ainda que, na prática, se revele um tanto quanto fria e superficial.

o enredo é cheio de boas sacadas e, ainda que de maneira muito leve, nos leva a pensar sobre como é estar no meio de tanto concreto e asfalto, sentindo-se aturdido e deslocado. as pessoas vivem em espaços apertados (em suas caixas de sapato escuras), amontoados e organizados como podem e mesmo dividindo espaço com milhões de habitantes estão cada vez mais isoladas e solitárias. nesse contexto a internet torna-se cada vez mais (oni)presente, substituindo em tudo quanto possível o convívio e o contato direto entre as pessoas (fios e cabos que servem pra nos apoximar ou nos manter cada um em seu lugar?).

nesse cenário um tanto quanto desolador, somos apresentados a Martin e Mariana, dois jovens que moram sozinhos em buenos aires. ele um webdesigner, um "fóbico em recuperação", ela uma arquiteta que trabalha como vitrinista, e que tenta lidar com o término de um relacionamento. ambos têm muita coisa em comum (e creio que com muitos de nós também), são um tanto quanto antissociais e têm suas próprias mania e limitações, o que oscila entre o trágico e o cômico. são dois deslocados na cidade em que vivem, tentando sobreviver a ela e às lembranças indesejáveis e a crônica falta de contato humano de que sofrem. até tentam se adequar e construir algum tipo de sociabilidade, ainda que virtual, mas não conseguem muito bem. continuam se sentido dois perdidos na busca de algo que não sabem bem o que é (e nisso a referência a "Onde está o Wally" é simplesmente genial). 

interessante perceber o quanto o espaço urbano afeta diretamente os personagens, sendo que seus sentimentos e humores estão ligados à maneira como se inserem nele. exemplo significativo nesse sentido é o quanto a entrada da luz do sol, a partir de uma janela irregular construída na medianera do prédio, muda perceptivelmente os ares des seus pequenos apartamentos e o próprio desenrolar de suas histórias.

por fim, o mais legal de tudo, é a competência em contar essa história de maneira tão agradável e bem humorada. Buenos Aires, Martin e Mariana são três protagonistas adoráveis (ainda que cheios de problemas) e algumas situações fazem rir justamente pela identificação que causam e por um sutil mas sempre presente toque de ironia.

tenho certeza que não consegui fazer jus ao filme, que é mais legal do que esses meus parágrafos. assistam que vale bastante a pena (tem no netflix e no youtube).

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