sexta-feira, 25 de setembro de 2009

comentários sobre o ser humano e a verdade

"(...) a verdade, tão logo anunciada, imediatamente se transforma numa opinião entre muitas outras(...)."

"A grandeza de Lessing não consiste meramente na percepção teórica de que não pode existir uma verdade única no mundo humano, mas sim na sua alegria de que realmente ela não exista e, portanto, enquanto os homens existirem, o discurso entre eles nunca cessará."

ARENDT, Hanna. Homens em Tempos Sombrios. Companhia das Letras, pág. 33)

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Ao fim do trecho que li do livro de Hanna Arendt, "Reflexões sobre Lessing", em Homens em Tempos Sombrios, me deparei com essa abordagem sobre a verdade (e sua relação com a humanidade) que eu achei profundamente instigante e inovadora. O ponto aqui é enfraquecê-la, reduzir o seu papel no mundo e até retirar seu status de desejável, em favor da multiplicidade de opiniões, característica humana por excelência.

Conhecer a verdade deixa de ser uma finalidade e passa a ser tanto impossível quanto prejudicial ao desenvolvimento do que é ser humano. Primeiro impossível, porque talvez haja tantas verdades (assim consideradas por seus portadores) quanto pessoas no mundo e elas se perdem numa embate sem fim para comprovar quão mais "verdadeiras" elas são em comparação com as outras. Deposi, ainda que ela existisse e se colocasse sobre todos, seria o fim do diálogo, da pluridade de discursos, ou seja, justamente o que há de mais humano em nós, a possibilidade de discutir o mundo, de verbalizá-lo e suas várias percepções. De acordo com, as coisas do mundo "só se tornam humanas para nós quando podemos discutí-las com nossos companheiros". Uma única verdade acabaria com o que nos torna humano e nesse caso, a liberdade humana está em oposição à verdade.

Confesso que essa é, de maneira geral, a forma como penso. Sempre valorizei mais o debate e a possibilidade de se chegar a novas idéias e práticas através dele, do que a verdade doutrinária, de mão de ferro e arrogante, que não está aberta a concessões e nem a ouvir ninguém. Além disso, sempre me mantive cético quando alguém se justificava através da "verdade". Os crimes mais bárbaros foram cometidos em nome da verdade (e por que não dizer da paz, da justiça, da liberdade...) e quem estava contra tal verdade estava contra Deus (ou contra o rei, a natureza ou qualquer signo ao qual se atribui poder). Calar-se em favor de um terceiro e sua verdade é estar sob seu jugo e abdicar da própria liberdade.

Acho benéfico quando os indivíduos trazem para debate suas opiniões, quando estão dispostos a colocá-las ao público, sob o risco de serem rechaçadas de pronto ou ofuscadas por outras. É um ótimo exercício, que propicia a reformulação das idéias e valores colocados em pauta. Poderia citar o exemplo do aborto (dado em um livro que li, não lembro onde, mas sobre o qual estou de inteiro acordo). É uma situação complicadíssima, não sou a favor, mas também sou contra quem é contra, ou seja, o que se torna relevante para mim é troca de idéias, um profundo debate que ampare as diferentes formas de pensamento e por consequência, num caso como esse, as eventuais políticas públicas e formas de ação que dai surjam (o que nesse caso torna o assunto mais delicado, pois terá efeitos coercitivos sobre toda uma população, diferentemente de quando se discute a origem da vida ou o que ocorre depois da morte, por exemplo). Assim, não busca-se a verdade, nem se pretende construir uma, mas sim enriquecer tal assunto (ou qualquer outro) pela consideração de diferentes perspectivas.

Por fim, uma frase de Lessing (essa figura sobre a qual eu nada sei e desconhecia até ler o texto de Hanna Arendt) que esclarece sua maneira de pensar:

"Que cada um diga o que acha que é verdade, e que a própria verdade seja confiada a Deus!" (pág. 36)

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