seis horas da noite na cidade fria
todos como eu, nenhuma diferença,
tantos corpos, sapatos e guarda-chuvas
(mas não choveu hoje, nem choverá),
nenhuma alegria...
meus dois pés fincados sobre a capital
séculos de história me sufocam
ouço os fantasmas sussurrando
tudo é asfalto e remorso
e o que aquece é o motor à combustão.
nas minhas costas o peso do céu,
a herança que nos foi legada,
essa vida por deus cuspida,
a morte que nos será cobrada
ao dobrarmos a esquina
[ - mas não fui eu!
quando cá cheguei, assim estava...
no máximo olhei curioso
e escrevi uns versos]
a fumaça dignifica o homem,
o enche de si.
sei o que é respirar essa falta de ar todos os dias
pesa no nariz e no pulmão
comove
fede à saudade...
e os prédios são tristes e nem sabem
as coisas (todas elas)
choram pelas ruas
e eu nem posso entender por quê...
talvez por isso eu passe reto
e baixe a cabeça
talvez por isso eu fique quieto
e aperte o passo.
seis horas da manhã nesta cidade feia,
acredite minha cara,
você não é cinza sozinha.
meu olhos,
meu coração doído
(esmagado),
são cinza como você...
(que bem sei o que é respirar essa falta)
16/07
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"(...)
Já não,
já não que a lira tenho desatinada
e a voz enrouquecida
e não do canto
mas de ver que venho
falar de uma cidade endurecida,
falar de uma cidade poluída
falar de uma cidade
onde a vida é cada dia menos do que a vida:
asfalto asfalto asfalto
e mais assalto
(...)"
(F. Gullar)