"Mendigo não tem que votar. Mendigo não faz nada na vida. Ele não tem que tomar atitude nenhuma. Aliás, eu acho que deveria até virar ração para peixe".
Uma declaração como essa me arrepia, me indigna, me desilude (ainda mais). Não só por vir de um parlamentar, membro de um partido político e representante de toda a população de um município. Mas porque, de certa forma, é assim que pensa uma parte considerável dos brasileiros. Tudo bem que o vereador de Piraí (RJ) teve que se superar em burrice e coragem para fazer um discurso que é conservador, totalitário e claramente criminoso (afinal é um político dizendo que pessoas que moram na rua deve morrer), mas eu duvido que ele não tenha ganho a admiração de muitos que tomaram conhecimento de suas ideias "inovadoras" no tratamento às pessoas em situação de rua.
Primeiro, ele diz que mendigo não tem que votar. Ou seja, ao morar na rua (por qualquer que seja o motivo) todo cidadão brasileiro deveria ter seus direitos políticos negados.
Segundo, presume-se e afirma-se, numa lógica simplista e nojenta, que se está na rua é porque é vagabundo, não faz nada na vida, deliberadamente. Esse é um raciocínio falso, raso, hipócrita e cínico.
Terceiro, e o mais grave, defende-se que pessoas nessa condição devam ser mortas, exterminadas sumariamente, por serem indesejáveis.
Nega-se, assim todos os direitos de uma parte dos seres humanos deste país. Não têm o direito de serem cidadãos e nem mesmo de existir. É de um obscurantismo e de uma intolerância atroz. Mais do que isso, não se discute em nenhum momento a questão dos "mendigos" como um problema social crônico, fruto direto da miséria e da desigualdade pornográfica que sempre existiu no Brasil. Não se precisa ser muito esperto pra entender que sair das ruas não é só questão de um "vai trabalhar, vagabundo" (bom, talvez um pouco mais esperto do que o nobre vereador em pauta). Existe um intrincado ciclo vicioso da miséria que se reproduz continuamente e do qual muitas pessoas não conseguem sair facilmente.
Pode não parecer, mas estamos muito próximos de uma lógica bem sucedida no regime nazista e que costuma contar com a calorosa aprovação das massas, desejosas de um mundo "mais seguro para os cidadãos de bem". Nas palavras do historiador Robert Gellately:
"O regime [nazista] se vangloriava de sua nova abordagem contra criminosos reincidentes, alcoólatras crônicos, criminosos sexuais, desempregados e mendigos. Hitler prometeu 'limpar as ruas', e a maioria das pessoas aprovou a medida. Algumas acreditavam de fato no Hitler e no nazismo".
Ou seja, essa ideia de limpar as ruas do lixo social não é nova e nos aproxima muito do que existiu de pior em matéria de ideais políticos e sociais. Quando um vereador a expõe com todas as letras na tribuna de uma casa legislativa ele está basicamente reforçando uma mentalidade da qual uma parte significante da população se identifica e diante da qual não podemos de maneira nenhuma nos calar.
P.S.: Continuando seu discurso absurdo e desatroso, o mesmo vereador ainda defendeu a pena de morte, argumentando que, se o criminoso soubesse que iria morrer ele ia pensar duas vezes antes de cometer seus crimes, e a censura, em suas palavras: “Fim da censura. Eu acho isso ruim. Tem que ter censura. Nas propagandas
de filmes e de novelas, passa gente transando escandalosamente na
frente de criança. Eu acho ridículo acabar com a censura."
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