manderlay segue a proposta estética de dogville em sua quase ausência de cenário (lembrando muito nesse ponto uma peça teatral) e segue a história do anterior basicamente de onde ela parou. ainda estão presentes a mesma maneira de divisão do filme por capítulos e um narrador irônico que acompanha todo o desenrolar da história. um ponto negativo para mim foi mudança da atriz da personagem .
dessa vez o tema do qual se parte é mais específico (a escravidão nos EUA) e talvez por isso mesmo menos impactante inicialmente, apesar de podermos expandir seus resultados e nos surpreender com eles.
após sair de dogville, grace se depara com uma fazenda na qual a escravidão dos negros ainda perdura, 70 anos após sua abolição. ela se indigna com aquilo e, com a morte da senhora dona dos escravos ela os declara livres. receando que não soubessem o que fazer com aquela liberdade recém conquistada e convicta de que poderia fazer algo por eles, ela acaba decidindo ficar no lugar para ensiná-los a se auto-organizarem e cultivarem sua liberdade como algo positivo.
claro que nem tudo sai como ela planeja, uma série de problemas surgem na comunidade quando a relação senhor e escravo é rompida. o que nos leva a pensar que, por mais que eles estivessem numa condição anteriormente de sujeição, ainda assim havia uma lógica social em funcionamento, uma acomodação na qual ambos os lados estavam inseridos. podemos perceber de maneira clara o quanto uma relação de dominação, a partir da interiorização do status quo, pode ser dupla, desejada por ambos. E não só desejada, já que ela só pode se manter através da aceitação geral. grace só percebe isso após muito tempo, o que nos sugere a ingenuidade ou ineficiência de sua ideia de liberdade a qualquer preço, antes da emancipação do pensamento.
podemos expandir as conclusões que o tema traz e refletir justamente sobre como funcionam a dinâmica entre dominantes e dominados em qualquer relação social (seja entre classes inteiras ou entre indivíduos). a partir do momento em que o mundo como nós o conhecemos faz todo sentido e molda profundamente a identidade dos seres humanos e a maneira como devem se relacionar, fica extremamente difícil sair daquela condição. e isso é que grace e nós descobrimos de maneira amarga no decorrer do filme. a escravidão é desejável para aquelas pessoas na medida em que tal condição os insere no mundo a partir de uma ideologia já conhecida e tornada legítima. é o oprimido que muitas vezes que ratifica e cristaliza sua condição. quase como que dizendo que a vida é mais fácil de ser vivida daquela maneira (acho até que falam algo de ser mais fácil viver culpando os outros pelo mal do que a si mesmo). e perder a senhora a quem deviam obediência os desnorteia e os faz desejarem tentar recuperar a situação perdida. tanto é que eles acabam usando a assembléia e votação (instrumentos democráticos que grace se esforça para introduzir na comunidade) para escolherem quem seria sua nova senhora, responsável para manter a lei conforme sempre foi.
2 comentários:
mas vc está contando os filmes????
hahaha, isso é errado,eu sei, mas eu queria comentar sobre essas partes...
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