andei pensando...
o que mais me instiga nos seres humanos é sua capacidade de criar o mundo a sua volta, que, ao mesmo tempo, é o que os cria. viver através dele e acreditá-lo de tal forma que por ele pode-se morrer e matar.
o espaço de tempo que há entre o nascimento e a morte de cada um é repleto de uma construção de si mesmo e do que o cerca, por si próprio e por seus semelhantes. construímos o mundo, ao passo que somos construídos por ele... só tomamos forma através desse processo, evidente, constante e inescapável, mas pouco colocado em evidência.
não sei se consigo me fazer entender, mas é uma ideia até que simples, que me chama a atenção quando observo a "ilusão" (na falta de palavra melhor) que tomamos para nós. valores e padrões culturais, crenças, símbolos e ideologias, uma densa e complexa rede que nos une uns aos outros e até a nós mesmos. "nós mesmos"!? quem é "nós mesmos", senão uma construção social, um "falseamento" (na medida em que é artificial, por assim dizer)? como você se definiria se não fosse em termos coletivos?
o que além desse conjunto de símbolos e crenças compartilhadas nos impõe, por exemplo, que devemos tratar certas pessoas de determinada maneira? que devemos fazer isso ou aquilo num certo momento? ou nos prescreve certos tabus, coisas que nunca devemos fazer [sob a pena, inclusive, de deixarmos de sermos humanos]. os exemplos são infinitos. e o pior [ou não]: não há solução, porque esse tipo de trama nos constrói enquanto a construimos, de modo que se torna impossível pensá-la que não em seus termos... talvez só isso já exponha nossa extrema limitação (pelo menos em termos absolutos, enquanto seres que se acreditam "no topo", mas estão nele na medida em que são eles próprios que determinam a escala).
o poder, por exemplo. uma pessoa pode ter o direito de decidir sobre o destino de milhões de outras e o que espanta é que isso surge de lugar nenhum! ou melhor, surge, mas esse lugar é intrisecamente o mesmo lugar que cabe ao seres humanos. não há nada além (externo ao mundo) que torne aquele indivíduo melhor que os outros, enquanto ser humano, mas o fato é que acaba sendo considerado superior, agrega em suas mãos prerrogativas negadas aos outros em geral. o que efetivamente impele uma população a seguir suas ordens, temê-lo, admirá-lo, etc? não há nada, nada além exatamente daquilo que criamos para nós. dizemos a nós mesmos que aquele é o presidente, o rei, o marechal, o papa, o juiz e ao mesmo tempo reforçamos o que dizemos por nossos atos. cada um de nós só é o que é porque todos os outros acreditam e compartilham aquela crença. contamos uma "mentira" e ao mesmo tempo a vivenciamos para torná-la real.
tirando nossas características essencialmente fisiológicas, de seres constituídos de materia, não há nada além que seja externo a nós (enquanto "grupo", outra dessas criações e enquanto indíviduo pertencente a esse grupo). talvez a "alma", mas se temos todos, porque cria-se diferenças? ainda assim é extremamente difícil, para não dizer impossível, separar até mesmo nosso aspecto "animal"/ biológico do de ser humano, individuo, pessoa, etc, já que a própria forma como passamos a conhecer TUDO o que nos apresenta é marcada pela nossa consciência humana. isso fica muito evidente quando paramos para pensar na própria linguagem e como entrar em contato com o que nos cerca (e principalmente partilhar com os outros) só é possível através disso.
todos nós nascemos, crescemos e morremos, sempre presenciando o funcionamento de nosso corpo e a suas diversas mudanças. mas até isso não é indepedente desse universo simbólico extremamente amplo e profundo no qual nos inserimos. quantas formas há para nascer e para morrer? esse dois acontecimentos estão também totalmente carregados de sentidos diversos, de crenças e tradições, por mais elementar e biológico que sejam.
chego até a concluir que fora dessa surrealidade não há nada, somente o caos e a ausência total de sentido e ordem. podemos e devemos, portanto, questionar o mundo e a forma como as coisas se colocam. não há nada acima disso. uma série de comportamentos e signos sociais tidos como naturais tem origem e finalidade social. não estiveram sempre lá, à espera de pessoas que os colocassem em prática.