sexta-feira, 9 de abril de 2010

querido anônimo

I.
desculpe-me,
eu quase não consigo me lembrar de quem eu fui.
sou outro agora e não me entendo...
me escondo em sombras ou num sorriso largo.
entendo pouco o que reflete a folha.

a mão esquerda que escreveu essas linhas,
simplórias, ingênuas e secretas
(as linhas de outra pessoa de caligrafia parecida),
não é mais a mão gelada que tenho agora.

II.
pensei em você como quem conta uma história para si mesmo.
invento fatos, relembros datas.
os olhos não me fogem da memória.
está tudo aqui, eu sei.

reli a esse estranho eternecido.
provei de sua euforia
e soube que fazia ele (à sua maneira)
o melhor possível.
(será que você diria o mesmo?)

tudo ainda, como deixei:
a sequência de números (que tocam um telefone)
a conversa, perdida entre vontades
o cavalo de tróia (pelo qual você entrou)
a pergunta, a resposta
a resposta...

III.
um punhado de anos e já não me acho dentro da minha cabeça.
estranho, me afasto...
enfim, sou finito. acabo e recomeço um milhão de vezes.
tenho lembranças,
acho que as tenho.
repasso-as todas,
tropeço em algumas.
quando foi?
onde?
com quem?
o dia exato?
me escondo em mim e deixo estar...

largo as folhas velhas.
sinto a melancolia pálida das coisas que se vão,
devagar,
(quase as toco)
e quando percebemos, já tudo nos falta.

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