quarta-feira, 2 de junho de 2010

cardiológico

E aí suplicam: “Pára de amarrar o coração em tudo, em qualquer coisa. Você coloca o coração em qualquer coisa!” O que vem a seguir sou eu brava com todos eles porque acho que devo amarrar o coração onde eu bem entender, uma vez que o órgão é meu. Olham pra mim com a cerveja transbordando pelos olhos e me chamam por um nome que inventaram…e balançam a cabeça. Desistiram. Preferi ficar quieta na mesa, mas eu sei, e eles sabem que eu sei, que o coração de cada um deles também está em qualquer coisa. Nunca nos pagam o que merecemos e seguimos em frente. Se certos dedos estalarem, lá estaremos nós. A ciclotimia da vida nos une numa mesa, sentados em algum sofá, não importa onde – e se for na casa de alguém, eu insisto em passar na padaria e comprar um pote de sorvete que ficará para sempre esquecido no freezer. Igual ao coração amarrado em qualquer coisa. É sempre um descompasso, eu ensinei a alguns: “não aplauda no contratempo!” – sendo que eu mesma faço isso com uma frequência assombrosa, urrando no silêncio e me calando na catarse. Eu virei e falei pra um deles que o meu coração está nas coisas certas, pois se não o deixo por aí, como suportar a rotina? Há uns cacos na escadaria do Teatro Municipal, um milhão de pedaços na Cardeal Arcoverde, na Casa Verde, naquela praia, pelas estradas, em outras cidades, na Serra da Graciosa, na Mooca, sob o poste de luz* e dentro da sua guitarra, não importa que você desafine. Está ali quando eles posam pra mim, sorriem pra mim, reluzem pra mim e eu tenho que fazer cálculos e mais cálculos pra saber se haverá chance para o equipamento melhor; está na porta do elevador pantográfico, está em você, em você e nele, eu não sei o que sobrou dele em mim. Mas o de vocês também nunca está aí. Por isso enchemos os copos uns dos outros, já notou que ninguém enche o próprio copo? É um preenchendo o vazio daquele que está ao lado, portanto não torne a dizer que só eu esqueço a porra do coração amarrado em qualquer coisa. Porque o meu está em vocês. Posso ficar brava e eu ainda o deixo com todos vocês. Quem trouxer cerveja tosca vai ter que beber cerveja tosca. Hoje vai ser pizza com videogame – e aquilo de sempre. O sorvete está no freezer, se bater aquela vontade de “alguma coisa doce”. E eu continuo por aqui.
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texto sensacional retirado na íntegra daqui ó: http://espressoepuro.wordpress.com/2010/03/31/sabor-flocos/

realmente, se não amarro meu coração em certas coisas como posso suportar a rotina?
o meu, eu amarro onde? [o meu está em vocês...]

6 comentários:

Luiza disse...

Poxa!! Muiiito bom mesmo esse texto!
Tenho uma super facilidade de deixar meu coração por aí! Mas ainda não tenho muito certeza se isso é bom!

beijos!!

Flavio! disse...

E aí...

Realmente muito bom o texto, esse é um tema inesgotável...muita coisa boa vai sair dali.

Gostei do seu blog, abraço!

Fernanda Vicente disse...

E quando se amarra o coração em algo bem concreto? É estar mais seguro, mesmo deixando ele amarrado por aí?



AMARar, é o que importa no final das contas.

fernando disse...

acho que deixar o coração amarrado por aí é sempre arriscado...
mas não adianta, sempre acabamos fazendo isso. caso contrário, (de novo) como suportar a rotina!?
e é sempre assim, estilhaçando e recompondo.

Anônimo disse...

Oi...
O Marquinhos me enviou o link do meu texto aqui, enfim, vim te agradecer - não sabia que um texto como esse seria tão sensacional aos olhos de outras pessoas. E lendo agora, acho que o título dado por você cai melhor. Não, talvez melhor ainda fosse "Cardiopata".
Eu achava ele tão pessoal e intransferível. Interessante ver a interpretação de outras pessoas pro que está escrito aí, de acordo com a experiência de vida de cada um.
É isso. Beijos,
Desirée

fernando disse...

Hahaha, por um momento pensei que você viria aqui me xingar por ter "roubado" seu texto.

O que me encanta é justamente o fato de ser tão pessoal a ponto de todos nós, de uma forma ou de outra, conseguirmos nos ver ali. Afinal, também tenho pedaços do meu coração espalhados por aí. É o que nos une...